Ainda não há arguidos constituídos mas o Ministério Público (MP) garante ao i que existem irregularidades na atribuição de donativos para a reconstrução das casas que arderam no ano passado em Pedrógão Grande.
Em causa estão fortes indícios de vários crimes entre os quais burla qualificada, falsificação de documentos, participação económica em negócio, corrupção e abuso de poder, sabe o i.
A PJ esteve ontem durante todo o dia na Câmara de Pedrógão Grande e na Casa da Cultura – onde funciona o gabinete que gere a reconstrução das casas – a realizar buscas, no âmbito de um inquérito, que está em curso desde julho, para averiguar as suspeitas denunciadas pela “Visão” na atribuição de donativos para a reconstrução de 21 casas que não cumpriam os critérios.
Foi apreendida, além das várias caixas de documentos dos processos que levaram à reconstrução de todas as casas em Pedrógão, ou seja, além dos casos suspeitos, prova digital. E a PJ recolheu ainda os telemóveis de Valdemar Alves – eleito em 2017 pelo PS – e dos funcionários da autarquia que trabalharam com os processos.
Com as buscas da PJ – que ao contrário do que disse Valdemar Alves não foram realizadas a seu pedido – o MP procurou evitar a destruição de provas.
Autarca admite erros que diz serem processuais Apesar de negar a existência de “fraude”, de “irregularidades” ou de defender que “não há desvio de verbas”, Valdemar Alves assume, no entanto, que podem existir casas de segunda habitação que foram reconstruídas com apoios.
“Admito que se venha a provar que uma ou outra poderão não ser [de primeira habitação]”, reconheceu o autarca acrescentando que “poderá haver algumas declarações erradas”. No entanto, o autarca diz que se tratam de “falhas administrativas que podem ser corrigidas”.
Valdemar Alves avançou ainda que pondera avançar com um processo interno sobre dois ou três funcionários. “Também tenho de averiguar os meus, estou a trabalhar nisso com os meus advogados”, remata o autarca que sublinha: “Confiei nas pessoas, eu não ia ao terreno, se alguém ultrapassou os limites com certeza que tem que ter processo disciplinar”.
Até à data o PS ainda não falou sobre o caso.
As suspeitas A “Visão” denunciou a reabilitação de casas que não eram consideradas prioritárias (de segunda habitação), a reabilitação de imóveis que não arderam e a reconstrução de casas que não eram habitadas há largos anos.
O alegado esquema passou pela alteração da morada fiscal para a morada das casas que foram reconstruídas, passando assim a serem consideradas como primeira habitação.
Mais tarde, a TVI insistiu no assunto e transmitiu uma reportagem com os vários casos suspeitos de desvio de verbas, dando o exemplo de uma casa que foi construída no mesmo sítio onde funcionava um palheiro.
De acordo com as reportagens da “Visão” e da TVI, a Câmara de Pedrógão Grande foi a responsável pela instrução dos processos de recuperação e tanto o presidente da autarquia, Valdemar Alves, eleito pelo PS, como o ex-vereador do Urbanismo, Bruno Gomes, teriam conhecimento de várias denúncias de alegadas burlas.
Há ainda o alegado envolvimento de presidentes de junta de freguesia do concelho e de funcionários da autarquia de Pedrógão Grande na alteração das moradas fiscais e na recuperação de casas de alguns dos seus familiares.
De acordo com as contas da “Visão”, através deste esquema terão sido desviados meio milhão de euros de verbas do fundo Revita (da Segurança Social) e de donativos transferidos por particulares como a Sic Esperança, a Cruz Vermelha, o La Caixa, as Misericórdias ou a Gulbenkian, por exemplo.
No total, arderam 265 casas de primeira habitação no concelho de Pedrógão Grande. Para a reconstrução destes imóveis foram angariados cerca de dez milhões de euros, dos quais quatro milhões de euros resultam de donativos de 60 entidades. A somar a estas verbas houve várias empresas que em vez de transferirem dinheiro doaram materiais de construção e foram para o terreno para reabilitar casas. No total, os apoios deverão chegar aos 17 milhões de euros.