E que tal taxar o populismo?


À esquerda e à direita são várias as notas de um certo desnorte que não configura nada de positivo para o país, mais centradas que aquelas estão em resolver as questões internas, os problemas de identidade ou as pressões dos nichos partidários e eleitorais do que em construir soluções realistas, sustentáveis e com sentido de…


Há historicamente um conjunto de sentimentos, atitudes e comportamentos dos portugueses que, se pudessem ser objeto de lançamento de imposto ou de aplicação de taxa, seriam o gáudio de qualquer ministro das Finanças, tal seria a dimensão do pecúlio arrecadado. Da inveja ao chico-espertismo, passando pelo pessimismo ou pelas dificuldades em estabilizar regras de funcionamento comunitário, já espelhadas pelos romanos no relato “há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar”, podemos bem chegar às diversas expressões de populismo que são exercitadas na vida política portuguesa.

O frenesim pré-orçamental em rota de convergência com as eleições só amplia a profusão de diversas faces de um certo populismo de matriz muito lusa. Sendo o populismo “a doutrina ou a prática política que procura obter o apoio popular através de medidas que, aparentemente, são favoráveis às massas”, será fácil identificar diversas manifestações desta deriva tão em voga em tantas latitudes.

Ele há o populismo de sinal positivo que procura enunciar ideias e propostas que agradam a parte ou à generalidade do universo eleitoral, onde naturalmente se inscrevem as medidas de reforço dos direitos, de redução dos impostos ou de defesa de soluções que podem contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Tudo sem cuidar das fontes de financiamento, da solidez do impulso, da justiça relativa e da sustentabilidade da solução anunciada, apresentada ou concretizada.

Ele há o populismo de sinal negativo, mas com vocação geradora de perceções positivas na maioria dos cidadãos, em torno de posições moralizadoras, de alegada justiça social ou com sentido de refundação das regras de funcionamento, onde se inscrevem algumas verbalizações do líder do PSD, Rui Rio, e uma certa propensão para um pseudomoralismo justicialista, com impactos nas economias locais e na economia nacional, irrelevantes para quem vive em grandes centros urbanos ou em territórios que sustentam as dinâmicas ao longo do ano.

Num misto entre reciclagem da má imagem gerada pelo caso Robles, o tal da especulação imobiliária totalmente contraditória com a verve populista enunciada pelo Bloco de Esquerda, e a reincidência em medidas de alegada justiça social, mesmo que com impactos na economia, por exemplo, ao nível da confiança dos investidores, avançaram com uma taxa que acresceria ao imposto sobre as mais-valias. O desespero que uma queda numa sondagem gera no desejo de chegar ao governo!

Aliás, à esquerda e à direita são várias as notas de um certo desnorte que não configura nada de positivo para o país, mais centradas que aquelas estão em resolver as questões internas, os problemas de identidade ou as pressões dos nichos partidários e eleitorais do que em construir soluções realistas, sustentáveis e com sentido de futuro.

Aliás, quem aterre em Portugal vindo do exterior é confrontado com um quadro de alguma animosidade em relação ao não nacional, algo pouco razoável para quem se alimenta tanto da relevância do turismo para a economia nacional. Ao aterrar, o aeroporto de Lisboa está no estado em que está, uns defendem o fim do regime que tem trazido muitos reformados europeus para residir em Portugal, outros abocanham o investimento estrangeiro e querem o fim dos vistos gold, e agora, para concluir a deriva, propõem-se taxar os especuladores imobiliários na forma tentada ou materializada. O que faz a má consciência ou a perfeita noção do impacto negativo do caso Robles no ADN do projeto político do Bloco de Esquerda!

É claro que existem problemas relevantes resultantes do impacto do turismo e da especulação imobiliária nas comunidades locais, mas, em três Orçamentos do Estado, o que foi feito para reforçar a oferta de habitação ou para moderar os impactos negativos das dinâmicas existentes? Não terão estas áreas contribuído para gerar receita que permitiu a concretização de muitas das medidas da solução governativa?

Em quem aterre e em quem cá está, por vezes perpassa a ideia de que existe uma predisposição para ir a tudo o que mexa, que tenha resultados e que prospere, sem coragem para afrontar os que, no público e no privado, contribuem para que a sociedade tenha as desigualdades, as descontinuidades e as indiferenças resultantes de anos de modelações políticas.

Nesta voragem populista-eleitoral, em que verdade e mentira se procuram iludir, entre uma medida “feita à pressa” ou “em negociação desde junho” no âmbito da negociação do Orçamento, é preciso discernimento, exigência e transparência para conseguir navegar entre o ruído. É certo que taxar o populismo poderia ajudar, mas não é de crer que o que se constituiu em feitio possa ser um defeito descartável.

Que ao menos possam existir três expressões de senso no meio de tanta diversidade de populismo, no registo, no tom e no exercitar desta forma de estar: o senso de ter aprendido com os erros de vários passados de governação; o senso de se procurarem equilíbrios em função das partes em contenda que não lesem o interesse geral do país; e o senso de assegurar sustentabilidade nas propostas a concretizar. Será pedir demais?

NOTAS FINAIS

Caldo de cultura. É positivo sermos o 10º país mais democrático do mundo e um dos mais seguros, mas a ver pela displicência com que alguns tratam estas dimensões e as dinâmicas que se registam, por exemplo, na comunicação social, são mais do que razões para uma forte vigilância e exigência. É curioso que o acionista Impresa resolva questões do grupo através de alocações de recursos humanos na Agência Lusa, a agência pública de notícias.

Caldo entornado. O inqualificável comportamento de Serena Williams com o juiz de prova Carlos Ramos pela imposição das regras definidas para uma prova de ténis, o US Open, permitiu uma triagem interessante. Há defensores de direitos que são incapazes de se expressar quando existem abusos da invocação de estatutos ou circunstâncias para tentarem justificar o injustificável. O que é para o mais também deveria ser para o menos.

Caldo Knorr. É sintomático que perante tantos atropelos ao espírito europeu pelo governo húngaro de Viktor Orbán, o Partido Popular Europeu, onde se alberga o PSD e CDS, não consiga ter uma posição coesa de condenação aos atentados à democracia e à liberdade expressão. Ainda é mais sintomático que os deputados do PCP no Parlamento Europeu tenham votado a favor de Órban, contra a condenação das violações dos princípios da construção europeia na Hungria. Depois da geometria variável com os regimes ditatoriais de esquerda, agora uma deriva à direita. Só falta Orbán vir à Festa do Avante de 2019.

António Galamba

Escreve à quinta-feira