A dimensão do nome Di Stéfano entra pelos caminhos estreitos pelos quais só as lendas são autorizadas a passar. Ora, no verão de 1974, ainda vivia Portugal a ressaca de uma revolução que mudou para sempre a face do país, Don Alfredo viu a sua vilegiatura em Benidorm interrompida por um português decidido a fazer com que o clube do qual era presidente, o Sporting, surgisse de novo no panorama internacional: João Rocha. Di Stéfano, entre um mergulho e outro nas cálidas águas do Mediterrâneo, recebeu a proposta de chofre: “Necessito de contratar alguém com muito impacto. Quero que sejas o próximo treinador do meu clube.”
A carreira de jogador de Alfredo Di Stéfano não precisa de apresentações – pelo contrário, dispensa-as sem cerimónias. Já como técnico tinha passado pelo Elche, pelo Boca Juniors e pelo Valência. Nestes dois últimos reforçara estofo com a conquista dos títulos nacionais. A escolha de João Rocha parecia acertada. E Portugal abria as portas a um dos maiores de todos os tempos. Já Don Alfredo não estava absolutamente convencido. Numa entrevista concedida à “Marca”, uns anos mais tarde, soltou esta frase divertida: “Me ofrecían tres millones de pesetas al ano, y yo les decía: ‘Cómo que al ano?!’ En portugués no se utiliza la eñe, y eso a mí me mosqueaba.”
Três milhões por ano (ou por año, tanto faz) não era propriamente um ordenado para deitar fora. Di Stéfano pediu uns dias para pensar na oferta e acabou por aceitá-la: seria treinador do Sporting. E o maior nome de sempre a entrar pelos portões de Alvalade. Não havia adepto dos leões que não sentisse uma ponta de orgulho. Mas…
A vida do técnico argentino em Lisboa carregou consigo um enorme MAS, assim mesmo em maiúsculas. “Mal assunto!”, murmuraria ele para com os seus botões poucos dias após a chegada. Yazalde, o grande avançado-centro do Sporting, argentino como ele, desanimou-o à primeira conversa: que o clube lhe devia ordenados, a ele e a outros membros do plantel, que estava estabelecida uma guerra surda com a direção, que todos os jogadores estavam convencidos de que a sua contratação serviria para que eles recuassem nas suas reivindicações.
“Um dia, ao chegar ao hotel, vi um dos diretores em grande discussão com um funcionário do Sporting. Percebi que o clube não estava sequer a pagar a minha estadia. Mudei-me para um hotel mais barato, na Avenida de Roma, e passei a pagar o quarto com o meu dinheiro”, contou Di Stéfano.
Uma digressão ao Brasil viria a tornar–se fatal para o treinador. A sua tentativa de disciplinar os jogadores, principalmente controlando-lhes o consumo de álcool às refeições e os excessos alimentares, bem como a ordem para não se misturarem com os jogadores do Benfica que estavam instalados na mesma unidade hoteleira, no Rio de Janeiro, abriram fissuras impossíveis de fechar.
As derrotas enfileiravam-se. No final de um jogo contra o Vasco da Gama, ao ver que João Rocha andava a apanhar as camisolas que os jogadores tinham atirado para o chão do balneário, Di Stéfano teve uma frase assassina: “Este es el único club del mundo en el que el presidente también es el utillero.” Gargalhadas em barda. De regresso a Portugal, antes da disputa da primeira jornada, em Olhão, foi chamado à direção: “Você viaja com a equipa, mas não se senta no banco. Quem vai orientar a equipa no jogo é Osvaldo Silva.” Don Alfredo ficou boquiaberto: “Porquê?” E ouviu em seguida: “Porque ainda não fizemos entrar o seu contrato na federação. Eis porquê.”
Ficou furibundo. Pegou na mulher e meteu-se no carro. Voltou para Madrid. “Un fracaso!”, resumiu. Afirmou que nunca viu um tostão. E que ainda teve de pagar todas as despesas.
No Algarve, o Sporting perdeu por 0-1 com o Olhanense. Tivera Di Stéfano como treinador durante exatamente 46 dias. Sem boas memórias.