Crónica sobre o impostodo Frei Tomás de Alfama


Certas alminhas, quando são apanhadas com a mão dentro do pote das bolachas, sentem-se na necessidade de fazer coisas que julgam consequentes, como atacar as (alegadas) grandes acumulações de capital


Enquanto não voltarmos à tão almejada, por alguns, estatização da propriedade privada e dos meios de produção, sempre que continuarem as manobras ardilosas para levar os incautos a acreditarem que os paladinos das suas alegadas causas lhes advogam como remédios políticas que a si não aplicam, vamos ter estes folclores.

Depois de se ter frustrado a tentativa de Robles, uma espécie de Frei Tomás de Alfama, encaixar (por imposição capitalista da mana) uma pesada mais-valia especulando na venda com pesado lucro sobre um prédio comprado à Segurança Social (numa privatização com venda especulativa de um bem público), porventura por mesquinha vingança, voltou a dar à costa a costumada ganância dos defensores das nacionalizações e das ocupações selvagens sobre o fruto do trabalho da actividade de terceiros.

Com aquela naturalidade com que muitos defenderam (e bem) que Robles não estava, nem está, proibido de ganhar dinheiro, como outros não estarão de recorrer aos hospitais privados ou os defensores da escola pública (e única) de ter as suas crianças na Escola Alemã, há sempre uma altura em que o complexo de esquerda [fenómeno que ataca muitas personagens, por exemplo quando especulam com os namorados (entretanto arguidos) sobre a compra de apartamentos a preços especulativos de dois milhões de euros, ou no trem de vida aburguesado das professoras marxistas da Universidade Nova] ataca estas alminhas com retumbante violência e agita para lá do recomendável as suas ociosas e aburguesadas consciências sociais, com o resultado do costume e muito pouca capacidade autocrítica.

É que neste pequeno hiato não podem em consciência esperar que se lhes não aponte toda uma práxis recente em manifesta oposição entre o que defendem publicamente como virtuoso para os outros e aquilo que privadamente escolhem para si, uma espécie de públicas virtudes, vícios privados ou, mais prosaicamente, façam o que eu digo e não façam o que eu faço… É aquela ideia muito esquerda-caviar de que ao membros do Politburo (Politítcheskoe Byurô) não se aplicam as regras dos comuns mortais, mortais esses de quem, aliás, nem sequer gostam muito. O BE gosta de clientelas letradas urbano-depressivas e nunca adorou proletários!

E nestas alturas, quando são apanhados com a mão dentro do pote das bolachas, impõe-se-lhes fazer coisas que julgam consequentes como, por exemplo, atacar as (alegadas) grandes acumulações de capital, taxando-o, ou, agora, até inventar uma suposta necessidade de atacar, taxando, claro está – e mesmo que já o fosse – o resultado da actividade económica de terceiros: os tais mortais que, sem o seu beneplácito, ousam fazer o que Robles também tentou fazer.

Para além da fúria fiscal como panaceia de todos os males, a estas inteligências raras não sobra um momento de reflexão sobre as origens dos desequilíbrios que dizem combater (nos outros) nem sobre outra via para a sua correção que não seja um ataque à iniciativa privada, sempre com o fito da colectivização do resultado do trabalho e da iniciativa de terceiros.

Em parte alguma lhes ocorreu a sua muitíssima culpa na situação que grassa hoje no mercado imobiliário.

Durante um século, com uma ou outra pequena folga, o mercado imobiliário, aquela acumulação de capital privado que serve de habitação a preços controlados há cerca de 100 anos, não foi sendo minimamente remunerado nem mantido.

Acresceu, também, que os sinais dados ao mercado sobre a incapacidade do Estado de capitalizar os fundos de apoio aos inquilinos verdadeiramente carenciados e as políticas de suspensão dos despejos e outros vinculismos fazem, por si só, desacreditar o mercado de arrendamento e potenciam a especulação.

O capital não remunerado (e a autoconsumir-se), como se viu do estado a que chegou o parque habitacional dentro de Lisboa e do Porto, muito antes do boom do turismo, por causa do congelamento das rendas, em parte agora repristinado, foi a maior e mais importante razão pela qual os beneméritos donos dos prédios aceitam vendê-los aos especuladores (estes devidamente capitalizados ou financiados pelos bancos – Robles tinha a Caixa) para evitarem o prolongado declínio do seu património exaurido pela acção social que estes génios da finança lhes impõem, sem qualquer contrapartida a não ser o costumado ódio e cegueiras ideológicas contra os senhorios (muitos, por isto mesmo, mais pobres que os seus inquilinos).

Onde ainda não dependamos do plano e das suas grandes opções, é natural que, se o valor investido nos prédios não gera um rendimento mínimo e justo, ninguém tenderá a mantê-lo, mas sim a recuperar o rendimento para apostar noutro negócio que o faça!

Os mentores da lei Robles, que tentam cristalizar o statu quo do arrendamento dos últimos cem anos, são, por isso mesmo – é que as consequências tendem a ter causas –, os principais obreiros da mesma exacta especulação que às vezes tentam e, outras, de que se queixam, como é agora o caso.

Parece ajustado pedir-lhes, aos criadores da criatura, que não ataquem o resultado, mas previnam antes as causas.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990