Portugal-Itália. No tempo em que a gente ainda não sabia o que era o medo

Portugal-Itália. No tempo em que a gente ainda não sabia o que era o medo


Entre 1925 e 1931, portugueses e italianos disputaram cinco partidas de fervilhante entusiasmo que meteram uma goleada para cada lado (4-1 e 1-6). Depois foi preciso esperar oito anos por novo confronto


Em 1925, a seleção nacional somava quatro jogos e quatro derrotas, sempre frente à Espanha. Depois, no dia 18 de junho desse ano, recebeu a visita da Itália e ganhou por 1-0. Um feito! Não era ainda a Itália que viria a ser campeã do mundo nove anos depois, mas era a Itália. E tornou-se, para Portugal, um adversário frequente.

No ano de 1927, Portugal disputou três desafios, o primeiro contra a França (4-0), em Lisboa, o segundo frente à Itália, em Turim (1-3), o terceiro contra a inevitável Espanha, em Madrid (0-2). À corriqueira impotência perante os espanhóis (que ainda por cima jogaram com uma seleção B, já que, no mesmo dia, a seleção principal defrontava a Itália) e à submissão perante a sede de vingança italiana, contrapôs-se a segunda vitória lusitana e a primeira do ciclo de Cândido de Oliveira. 

No Porto, a vitória sobre a Itália por4-1 no dia 17 de abril lançou o moral português para os píncaros da lua. O valor de Balonceri, Libonatti, Rosetti ou Levratto foi profusamente enaltecido, sublinhando-se a importância da presença de um núcleo duro de oito jogadores que tinha alinhado em praticamente todos os jogos da squadra azzurra dos últimos dois anos – um exemplo que se pretendia ver implantado na equipa portuguesa. O entusiasmo lusitano foi terrivelmente eficaz e surpreendeu os italianos, que bem cedo se viram submetidos a uma pressão inesperada e com dois golos de desvantagem, apontados pelo avançado do FC Porto Waldemar Mota, o que alegra, naturalmente, ainda mais as cerca de 10 mil pessoas instaladas no campo do Ameal. Vítor Silva, Pepe, Armando Martins e Waldemar são os melhores de uma equipa que se atira sem receios para um vendaval de futebol ofensivo que lhes rende ainda duas bolas à trave e um golo anulado a João Manuel Martins. Novo golo de Waldemar e outro de Vítor Silva têm como resposta o tento solitário de Libonatti. No seu 14.o jogo internacional, Portugal obtinha a sua terceira vitória e a mais brilhante de todas. 

Vendetta Bem à portuguesa, rapidamente chegámos ao oitenta. De tal forma que, poucos dias depois, no Lisboa-Madrid, disputado em Lisboa, em que atuaram oito jogadores que tinham estado presentes na gloriosa jornada do Ameal, o empate (2-2) provocou no público uma reação até então nunca vista em Portugal: vaias e assobios à sua própria equipa. “O nosso público ouviu contar que os madrilenos apuparam os seus jogadores quando do Lisboa-Madrid Militar e vai de querer fazer o mesmo, sem olhar à diferença de uns para os outros. O que ontem se fez, ou tentou fazer, é feio; mais do que feio, impróprio. (…) Foi uma mancha negra na falada correção do nosso público. Voltamos a pedir que tenha sido oxalá a última vez. Porque se o caso se repete não será possível dizer a que aspereza de censura seremos levados.” O tom ofendido vinha do jornalista do “Diário de Notícias”. Os tempos eram, decididamente, outros. 

As três deslocações realizadas em 1929 redundam em desastres: 0-5 em Sevilha, com a Espanha; 0-2 em Paris, com a França; 1-6 em Milão, com a Itália. O capitão Jorge Vieira tinha encerrado a sua carreira internacional, Cândido de Oliveira deixara o seu lugar a Maia Loureiro e este, depois da meia dúzia de Milão, passara a pasta a Laurindo Grijó. Era preciso recomeçar tudo de novo.

Uma semana antes do desastre de Milão, a Federação Portuguesa de Futebol tinha suspendido vários jogadores internacionais, acusando-os de serem profissionais, algo proibido à época. A imprensa não perdoou a debilidade do conjunto que se deslocou a Itália: “Ou há mais tempo os jogadores tinham sido suspensos, ou então não se ia esfrangalhar um team pelo prazer de ver os outros dizer que a direção da Federação foi justiceira.”

A verdade é que Portugal sofria em Milão a maior derrota da sua história até aí. Claro que não faltaram desculpas, como o estado do terreno e a pujança física dos italianos perante uma certa fragilidade atlética lusitana que fizera com que os primeiros se adaptassem muito mais facilmente às dificuldades impostas pelo campo. Ora veja-se uma crónica da altura: “O terreno prejudica imenso o trabalho dos portugueses e Temudo, numa jogada infeliz, mete a bola nas nossas redes. A equipa ressente-se deste fracasso e os italianos aproveitam para, de seguida, marcarem o terceiro goal, também pelos pés de Orsi.”

Orsi era um “oriundo”: nascera na Argentina, naturalizara-se italiano, fora grande figura dos Jogos Olímpicos de 1928 pelo seu país de origem, viria a marcar um golo pela Itália na final do Campeonato de Mundo de 1934.

A primeira parte terminara com 3-1 para a Itália (o golo português foi de Vítor Silva) e a segunda foi de sentido único. Apesar disso, a “Gazzetta dello Sport” dirigia algumas frases simpáticas ao selecionado nacional: “A equipa portuguesa teve de ceder perante um adversário mais hábil, reagindo sempre com um jogo orgânico, vigoroso e cavalheiresco, inutilizando por vezes o assédio do adversário com um excelente domínio da bola. Mereceu bem os aplausos da multidão, que reconheceu o seu mérito.”

Dois anos mais tarde, no Porto, a Itália voltou a vencer, desta vez por 2-0. Ganhou-lhe o gosto. Novo confronto só em 1949: 4-1 para a Itália. Mais uma derrota em 1951, antes de voltarmos a ganhar: 3-0 para as eliminatórias do Mundial de 1958. Itália e Portugal ficaram de fora. Apurou-se a Irlanda do Norte.