Os casos de vídeos descarregados na internet com origem em locais públicos multiplicam-se, especialmente na Coreia do Sul, onde o caso virou quase uma epidemia. A linha entre o direito à privacidade e o assédio parece estar a desvanecer-se neste mundo onde o real e o virtual muitas vezes se esbatem e a polícia está a ter cada vez mais trabalho para travar o fenómeno.
Como consequência deste aumento, durante o próximo mês, várias brigadas de mulheres sul-coreanas vão ter a responsabilidade de verificar mais de 20 mil casas de banho públicas, em espaços como balneários de ginásios, centros comerciais ou parques. A ação decorre em vários bairros de Seul, capital da Coreia do Sul, e as inspetoras de segurança contam com aparelhos tecnológicos com capacidade de detetar as câmaras colocadas em locais que, supostamente, deveriam estar isentos de vigilância.
A caça às câmaras ocultas é a resposta do governo aos mais de 30 mil casos reportados à polícia, desde 2013, de mulheres filmadas em casas de banho públicas sem o seu consentimento.
As câmaras são colocadas em sítios estratégicos com o objetivo de filmar as partes intimas das mulheres e, posteriormente, carregar o conteúdo em sites pornográficos. Ainda assim, para muitas mulheres, esta solução é um começo, mas não resolve o problema. Algumas delas, citadas pela CNN, assumem que mais importante que retirar as câmaras é encontrar e punir os responsáveis.
Só nos últimos quatro meses, centenas de mulheres deram voz a protestos na capital sul-coreana. O maior protesto aconteceu em agosto, quando 70 mil sul–coreanos saíram à rua gritando “My life is not your porn” (a minha vida não é o teu porno) e usando máscaras, para mostrar a sua preocupação e pedir ao governo as devidas providências para que os agressores respondam perante a lei.
Colocar uma câmara oculta na Coreia do Sul é punível com uma pena que pode ir de uma multa de 7440 euros até cinco anos de prisão. No entanto, o mais comum é que os agressores paguem uma multa de valor mais reduzido. Em números, apenas 2% dos detidos pela prática abusiva cumpriram pena de prisão.
Molka e nova profissão O fenómeno apelidado de “Molka” já deu origem a uma nova profissão, criada para evitar que vídeos provenientes das câmaras ocultas se tornem virais. Os digital undertakers são responsáveis por encontrar conteúdo publicado sem autorização e garantir que todas as cópias são apagadas do mundo virtual. No entanto, a questão não é simples, já que, segundo uma funcionária da empresa sediada no distrito de Gangnam, se o vídeo permanecer mais do que dez dias online, é quase impossível impedir que se espalhe pela internet.
Os digital undertakers funcionam a partir de denúncias que desencadeiam todo o processo. Identificado o utilizador que colocou o vídeo a circular na internet, este é avisado e as imagens são logo apagadas. A seguir, o caso é reportado à polícia para que esta possa iniciar o processo criminal contra o internauta que difundiu as imagens proibidas.
Desde 2011, quando foram 1350 as denúncias de conteúdo do género na internet, que o número tem vindo gradualmente a aumentar. Se é certo que o ano em que se atingiu o pico de ocorrências foi 2015, com mais de 7600 casos registados, o fenómeno está longe de ter abrandado. Esta quantidade de denúncias não se refere apenas a casos de filmagens em casas de banho públicas, embora estes sejam a maior percentagem. Há também mulheres que são filmadas nas suas próprias casas ou na rua, naquilo a que se chama normalmente upskirt, que se trata de levantar as saias ou filmar debaixo das saias.
Sejam quais forem as formas de assédio usadas por estes agressores, o fim comum das suas filmagens é sempre o mesmo: alimentar o apetite devorador dos navegadores da internet que frequentam sites pornográficos, alguns deles especificamente para este tipo de vídeos.