Europa: Merkel vira à direita


Terminadas as férias, a Srª Merkel está de volta à política, na Alemanha e na Europa. Igual a si própria: Sitzfleisch


Das suas passagens pelos Conselhos Europeus Silvio Berlusconi não deixou saudades. Por junto ficou a gestualidade dirigida às colegas, em particular a uma certa primeira-ministra nórdica, e uma definição da Sr.ª Merkel que o estatuto editorial do i não permite traduzir com literalidade: “una culona inchiavabile!”. Il Cavaliere, ainda que desconhecendo as subtilezas da língua de Goethe, teve na fórmula mais sorte do que juízo. Por estes dias em que a Sr.ª Merkel avança em direcção ao 2º ano do seu IV Governo, há quem lhe faça o retrato como encarnando a quintessência do Sitzfleisch. A palavra é rica em significados, começando por aquele que Berlusconi evocou e que em italiano se traduziria por “sedere” e em português por nádegas. Mas são as dimensões metafóricas do Sitzfleisch, e não as literais, que são commumente usadas para descrever  as virtudes da Sr.ª Merkel. Na Alemanha considerar que alguém é possuidor de um Sitzfleisch corresponde a um elogio, significa que a pessoa é capaz de dedicar atenção durante um longo período de tempo a um determinado assunto, ficando sentada (sitzen) a estudá-lo até resolver o problema. No fundo tem carne (Fleisch) com vocação para estar sentada. O sentido metafórico positivo vem acompanhado de um sentido metafórico negativo. O possuidor de Sitzfleisch pode ser alguém que se senta e espera que os problemas se resolvam, evocando a cartilha de qualquer político que aspire à sobrevivência: há problemas que só o tempo resolve e outros que nem o tempo resolve.

Ao longo da sua longa carreira como Chanceler, a Sr.ª Merkel tem dado provas abundantes do seu grande Sitzfleisch. Não lhe são conhecidas atitudes impulsivas, ideias radicais ou tentativas de se afastar do que seja o pensamento do alemão comum tal como expresso pelo jornal Bild. Não pratica uma governação ideológica e bastas vezes roubou ao SPD bandeiras que seriam de esquerda (veja-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo). Governou com o SPD (Merkel I, III e IV) e com os Liberais (Merkel II) mas chegou a negociar com os Verdes a formação do actual governo.

Por uma única vez a Sr.ª Merkel ergueu o Sitzfleisch e tomou uma decisão ousada. Em 2015 proclamou a abertura das fronteiras alemãs à vaga de imigrantes. O fenómeno legitimou os nacionalismos populistas na Europa de Leste (Áustria incluída) dotando-os de um programa político comum assente na recusa de imigrantes. Na Alemanha a decisão de Merkel fez da AfD o terceiro partido mais votado e o líder da oposição e quase provocou o divórcio com o parceiro da coligação tradicional, a CSU, que irá, por culpa da AfD, perder nas eleições bávaras de Outubro a maioria absoluta.

As ondas de choque do Verão de 2015 fazem-se sentir nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. As duas famílias políticas tradicionais (PPE e PSE) correm o risco de nem coligadas controlarem o PE, perdendo-o para os populistas nacionalistas e para a esquerda anti-sistema. Ao permitir que o líder parlamentar do PPE no PE, Manfred Weber, se anuncie como Spitzenkandidat à Comissão Europeia, a Sr.ª Merkel procura manter no PPE os populistas (Órban) e atrair o apoio dos soberanistas que não estão disponíveis para aderir ao PPE (Salvini e a sua Lega). Weber não tem qualquer experiência como governante mas é da CSU, contra a imigração e a favor das políticas de austeridade orçamental.

Por Xelas há quem acredite que, chegada a hora da escolha pelo Conselho Europeu do Presidente da Comissão Europeia, em Junho de 2019, a Sr.ª Merkel erguerá pela segunda vez o Sitzfleisch e anunciará a sua própria candidatura.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990
 


Europa: Merkel vira à direita


Terminadas as férias, a Srª Merkel está de volta à política, na Alemanha e na Europa. Igual a si própria: Sitzfleisch


Das suas passagens pelos Conselhos Europeus Silvio Berlusconi não deixou saudades. Por junto ficou a gestualidade dirigida às colegas, em particular a uma certa primeira-ministra nórdica, e uma definição da Sr.ª Merkel que o estatuto editorial do i não permite traduzir com literalidade: “una culona inchiavabile!”. Il Cavaliere, ainda que desconhecendo as subtilezas da língua de Goethe, teve na fórmula mais sorte do que juízo. Por estes dias em que a Sr.ª Merkel avança em direcção ao 2º ano do seu IV Governo, há quem lhe faça o retrato como encarnando a quintessência do Sitzfleisch. A palavra é rica em significados, começando por aquele que Berlusconi evocou e que em italiano se traduziria por “sedere” e em português por nádegas. Mas são as dimensões metafóricas do Sitzfleisch, e não as literais, que são commumente usadas para descrever  as virtudes da Sr.ª Merkel. Na Alemanha considerar que alguém é possuidor de um Sitzfleisch corresponde a um elogio, significa que a pessoa é capaz de dedicar atenção durante um longo período de tempo a um determinado assunto, ficando sentada (sitzen) a estudá-lo até resolver o problema. No fundo tem carne (Fleisch) com vocação para estar sentada. O sentido metafórico positivo vem acompanhado de um sentido metafórico negativo. O possuidor de Sitzfleisch pode ser alguém que se senta e espera que os problemas se resolvam, evocando a cartilha de qualquer político que aspire à sobrevivência: há problemas que só o tempo resolve e outros que nem o tempo resolve.

Ao longo da sua longa carreira como Chanceler, a Sr.ª Merkel tem dado provas abundantes do seu grande Sitzfleisch. Não lhe são conhecidas atitudes impulsivas, ideias radicais ou tentativas de se afastar do que seja o pensamento do alemão comum tal como expresso pelo jornal Bild. Não pratica uma governação ideológica e bastas vezes roubou ao SPD bandeiras que seriam de esquerda (veja-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo). Governou com o SPD (Merkel I, III e IV) e com os Liberais (Merkel II) mas chegou a negociar com os Verdes a formação do actual governo.

Por uma única vez a Sr.ª Merkel ergueu o Sitzfleisch e tomou uma decisão ousada. Em 2015 proclamou a abertura das fronteiras alemãs à vaga de imigrantes. O fenómeno legitimou os nacionalismos populistas na Europa de Leste (Áustria incluída) dotando-os de um programa político comum assente na recusa de imigrantes. Na Alemanha a decisão de Merkel fez da AfD o terceiro partido mais votado e o líder da oposição e quase provocou o divórcio com o parceiro da coligação tradicional, a CSU, que irá, por culpa da AfD, perder nas eleições bávaras de Outubro a maioria absoluta.

As ondas de choque do Verão de 2015 fazem-se sentir nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. As duas famílias políticas tradicionais (PPE e PSE) correm o risco de nem coligadas controlarem o PE, perdendo-o para os populistas nacionalistas e para a esquerda anti-sistema. Ao permitir que o líder parlamentar do PPE no PE, Manfred Weber, se anuncie como Spitzenkandidat à Comissão Europeia, a Sr.ª Merkel procura manter no PPE os populistas (Órban) e atrair o apoio dos soberanistas que não estão disponíveis para aderir ao PPE (Salvini e a sua Lega). Weber não tem qualquer experiência como governante mas é da CSU, contra a imigração e a favor das políticas de austeridade orçamental.

Por Xelas há quem acredite que, chegada a hora da escolha pelo Conselho Europeu do Presidente da Comissão Europeia, em Junho de 2019, a Sr.ª Merkel erguerá pela segunda vez o Sitzfleisch e anunciará a sua própria candidatura.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990