Das imagens e factos desta semana é impossível retirar o foco de alguns temas que muito revelam sobre a amálgama de ideias, (muitas) mal-alinhavadas, que constituem a, apesar de tudo mais funcionante que funcional, reserva moral, ideológica e programática da solução governativa de suporte parlamentar a que cuidou de chamar-se “geringonça”.
Uma primeira nota prévia sobre a absoluta esquizofrenia ideológica que a plataforma de sobreviventes vive no seu dia a dia, nota tão merecida quanto os resultados que apresenta, e que é devida ao Ministro das Finanças, cuja política ao longo da legislatura, com toda a justiça, devia ser erigido à condição de caso de estudo sobre como fazer os marxistas e trotskistas alinhar com o tratado orçamental e o pacto de estabilidade e crescimento, indo além do défice e paralisando o investimento público, deixando o SNS em estado semicomatoso e aclamando as virtudes das políticas draconianas aplicadas pela troika na Grécia, deixando no ar a dúvida – em princípio apenas metódica – sobre a eventual (provável) futura aprovação do Orçamento de Estado para 2019.
Se lembrarmos um pouco o que o BE e Catarina sempre, durante algum tempo Tsipras, e em permanência Varoufakis disseram sobre a Troika, Gaspar, Maria Luís e Passos Coelho e os programas de resgate, seria fácil perceber as críticas ao discurso de Centeno, laudatório do fim do programa de resgate da Grécia, em que os parceiros disseram insurgir-se contra tamanha audácia do Presidente do Eurogrupo…
É, porém, neste quadro de tão grande indignação muito difícil de conceber – atenta a tal vertente de barómetro moral da política – a manutenção, neste quadro, do apoio destes partidos ao obreiro da virtuosa austeridade de esquerda, que devolve rendimentos, que depois recupera através do aumento, não menos brutal, dos impostos indirectos e das novas tributações que, depois da saída limpa de Portugal – facto este que curiosamente Centeno não saudou – continua, não obstante, a ver crescer a carga fiscal sobre os Portugueses.
Estar à espreita das migalhas (e pães inteiros) que caem da mesa do orçamento para perpetuar projectos de manutenção no poder das segundas escolhas exige indignidades destas e este mar de contradições.
Muito evidente nas orientações da Babel ideológica das esquerdas unidas e na corrente bolivariana que muitas das intervenções mais ou menos sub-reptícias, entres os laudos públicos a Maduro e Chávez no parlamento e as rotundas em Alfragide, eis que, provavelmente sem o destaque merecido, se vai tando notícias pela América Latina fora (nomeadamente no Brasil) do povo do país do socialismo real da revolução bolivariana.
É impressionante, e a este propósito é interessante e fundamental, ler-se alguns dos autores que José Manuel Fernandes bem sintetiza em “Macroscópio – A Tragédia da Venezuela e as desculpas sobre o socialismo de verdade” publicada no Observador.
Aí saem absolutamente desmistificadas algumas ideias gratas dos ideólogos das linhas de reflexão mais ortodoxas do socialismo real que o BE leva à geringonça e Boaventura Sousa Santos à academia com o aplauso acrítico das Moreiras, Galambas e Santos da vida.
Relativamente à temática tão grata do tema do arrendamento (actividade que em Portugal se pautou durante um século – e de que não consegue despartilhar-se – de acção social promovida pelo Estado à custa do património privado, enquanto inúmeros imóveis públicos definam à ruína) e dos efeitos dos congelamentos das rendas e proibição dos despejos, matéria apressadamente trazida à praça para evitar, no essencial, (depois de não capitalizar o fundo que a lei previu de apoio aos inquilinos efectivamente carenciados), que muitos dos poucos sobreviventes do êxodo que o congelamento das rendas nos bairros históricos de Lisboa e Porto vinham sofrendo de forma mais ou menos rígida desde 1918, e que fez sem qualquer gentrificação e desde meados dos anos 60/70 que quase meio milhão de habitantes tenham abandonado os centros históricos dessas cidades, é importante que se perceba o que aconteceu na Venezuela, em cenário de socialismo real e frutos de políticas idênticas.
“Rent control in Venezuela dates to 1939 but was not enforced by Pérez Jiménez. In August 1960 Betancourt revived it, passing a new rent-control law and prohibitions on eviction. Since then, “not one apartment rental building has been built,” cita-se, com a devida vénia, do artigo de José Manuel Fernandes já acima referido, Vladimir Chelminski no seu livro de 2017, “Venezuelan Society Checkmated”.
Em homenagem aos doutrinadores da geringonça deixa-se também, da mesma fonte, a citação seguinte: “The legendary slums that climb Caracas’s hillsides are a testament to this socialist stupidity.” Por lapidar não se acrescenta a este tema mais nada.
Já relativamente à também incontornável questão dos transportes públicos cujos contratos de concessão foram rescindidos pelo presente executivo, não se consegue evitar o paralelismo bolivariano com a seguinte citação que José Manuel Fernandes vai buscar ao prémio Nobel Mario Vargas Llosa, no artigo “Venezuela hoy” que saiu no “El País”, onde se lê: “No hay precedentes en la historia de América Latina de un país al que la demagogia estatista y colectivista haya destruido económica y socialmente como ha ocurrido en Venezuela. Lo extraordinario es que la política de destruir las empresas privadas, agigantando el sector público de manera elefantiásica, y poniendo cada vez más trabas a la inversión extranjera, se llevara a cabo cuando todo el mundo socialista, de la desaparecida URSS a China, de Vietnam a Cuba, comenzaba a dar marcha atrás, luego del fracaso de la socialización forzada de la economía. ¿Qué idea pasó por la cabeza de semejantes ignorantes? La utopía del paraíso socialista, una fabulación que, pese a los desmentidos que le inflige la realidad, siempre vuelve a levantar la cabeza y a seducir a masas ingenuas, que, pronto, serán las primeras víctimas de ese error.”
Portugal e Venezuela não são, obviamente, iguais, é verdade! Cá nem sequer temos petróleo em abundância, mas a verdade é que abundam e são levadas a sério – para nossa grande e futura desgraça – semelhantes ignorâncias…
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990