A extrema-direita ganha força por toda a Europa e Portugal é comummente referido como exceção. No entanto, a verdade é que está a reorganizar-se em Portugal, reciclando o seu discurso e formando novas organizações. As atividades têm-se multiplicado nos últimos tempos, seja nas redes sociais ou nas ruas do país, ainda que pontuais e marginais. Em termos eleitorais, este espetro político continua residual – e o primeiro teste poderão ser as legislativas de 2019.
“Existe uma reorganização a longo prazo”, garantiu um oficial das forças de segurança ao i. “A tendência de maior risco são os movimentos identitários europeus, que procuram recrutar jovens universitários de classe média e alta”, explicou, referindo que era “uma franja da sociedade que tradicionalmente não aderia a este tipo de movimentos”. Para o oficial, estas novas forças políticas têm-se debruçado essencialmente sobre o “plano ideológico”, rompendo com as atividades tradicionais dos grupos de extrema-direita que caracterizaram, nas últimas décadas, o campo político em Portugal. Se, por agora, ainda se encontram à margem, o seu objetivo passa por se “legitimarem junto do eleitorado”.
Uma realidade que o Relatório Anual de Segurança Interna de 2017 corrobora. “A extrema-direita, através de um discurso identitário, desenvolve uma retórica essencialmente orientada para a rejeição da imigração e da islamização”, pode ler-se no documento, referindo ainda que “continuou a aproximar-se das principais tendências europeias” em 2017.
Não tem sido apenas no plano narrativo que a extrema-direita portuguesa tem apostado. “Além de intensificarem os contactos internacionais, estes extremistas desenvolveram um esforço de convergência dos seus diferentes setores (identitários, nacional-socialistas, skinheads), no sentido de promoverem, no plano político e metapolítico, os seus objetivos”, continua o relatório. Uma tendência que contrasta com a que caracterizou a extrema-direita nas últimas décadas, fragilizando o campo político como um todo: cisões e disputas pelo poder dentro do movimento. Misanthropic Division Portugal, Portugueses Primeiro, Nova Portugalidade, Lisboa Nossa, Escudo Identitário, Movimento Nacional Socialista e Nova Ordem Social são algumas das novas formações que se destacam no panorama nacional e que, por vezes, se podem encontrar lado a lado ¬- principalmente quando do outro se estão manifestantes de esquerda.
Foi o que aconteceu no protesto da estátua do Padre António Vieira, em Lisboa, convocada pelos Portugueses Primeiro e em que estiveram presentes membros do Escudo Identitário, por exemplo. Ou quando a Associação de Estudantes da FCSH-Nova Lisboa se opôs ao debate organizado pela Nova Portugalidade, que contava com a presença de Jaime Nogueira Pinto, e o Partido Nacional Renovador (PNR) saiu em defesa do então coletivo universitário e organizou um protesto à entrada da universidade. No final de julho, os Portugueses Primeiro e o Escudo Identitário juntaram-se para trazer a Lisboa neonazis russos e italianos, incluindo Gianluca Iannone, do CasaPound, partido que tem atacado imigrantes nas ruas de Itália, como se pode ver em fotografias divulgadas na internet.
Se o aumento da cooperação nacional tem sido uma novidade, o aprofundar das ligações internacionais não se fica atrás. A nova formação política do antigo líder skinhead e dirigente da Frente Nacional Mário Machado, o Nova Ordem Social (NOS), contou com a presença de deputados do partido neonazi grego Aurora Dourada, cuja liderança está a ser julgada por montar uma organização criminosa, e pelo alemão NPD, que defende abertamente a ideologia nacional-socialista na Alemanha, no primeiro encontro para a formação do partido, em 2014. Se a diferença geográfica poderia ser um obstáculo, a verdade é que não tem sido assim. Mário Machado, por exemplo, deslocou-se à Suécia para participar numa manifestação do Nordic Resistance Movement (NRM), só não assistiu porque à chegada foi detido pelas autoridades suecas a pedido de Portugal. Acabou por voltar a ser detido, cinco meses depois de sair da prisão em liberdade condicional por discriminação racial, coação agravada, posse ilegal de arma e ofensa à integridade física qualificada. O logótipo do NOS de Machado junta a coroa de César, do Aurora Dourada grego, e a seta verde ao centro, do NRM – ambos partidos neonazis declarados. “Nós somos nacional socialistas e não gostaríamos que nos rotulassem de outra coisa”, garantiu Simon Lindberg, líder do NRM em entrevista ao NOS.
Ainda que Machado tente mudar a imagem pública que a sociedade tem sobre si, as suas atividades parecem mostrar que no essencial o seu pensamento político se mantém. No final de março, um grupo de motards dos Hell Angels invadiram o restaurante do irmão do líder do NOS, em Loures, para agredir vários dos seus partidários. O i sabe que apesar destes grupos terem “elementos de extrema-direita”, o principal fator que preocupa as autoridades nos confrontos entre releva das “criminalidade organizada” – tráfico de droga e armas e segurança privada, por exemplo. Recorde-se que Machado aderiu ao grupo motard Los Bandidos, formando uma filial em Portugal, para disputar território ao clube rival.
Além disso, Machado candidatou-se à liderança da claque sportinguista Juventude Leonina – o mundo das claques de futebol sempre foi um dos palcos privilegiados de atuação da extrema-direita.
A nova extrema-direita em Portugal? À semelhança de tantas outras forças políticas de extrema-direita na Europa, as novas organizações em Portugal tendem a rejeitar o perfil tradicional dos skinheads e a assumir uma nova linha narrativa, recrutando franjas da sociedade a que antes não conseguiam chegar. Uma delas é a associação Portugueses Primeiro, que não se afirme nos seus documentos públicos como de extrema-direita, mas recusa o “multiculturalismo e a imigração maciça”.
Na sua página de Facebook, não faltam elogios à política anti-imigração do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, ou, mais recentemente, aos militantes de extrema-direita que perseguiram imigrantes e refugiados na cidade alemã de Chemnitz, no leste da Alemanha. “Muitos são os europeus que se erguem, que se chegam à frente, para denunciar estas criminosas políticas de imigração”, pode ler-se numa publicação na sua página de Facebook.
Já a Nova Portugalidade, que nasceu como um núcleo estudantil da FCSH-Nova de Lisboa, e que é hoje uma associação política, é composta predominantemente por jovens e tem-se focado em alterar a perspetiva histórica sobre o passado de Portugal, nomeadamente sobre o colonialismo. Afirmando ser necessário aproximar “nações de fala lusa”, tenta reconstruir a versão de um passado histórico português glorioso. “O que queremos resgatar é, pois, tudo ¬- os feitos, os símbolos, os costumes, o idioma – o que nos irmana. Assim se fará a Nova Portugalidade”, pode ler-se na apresentação do grupo.