Olhou para aquele lugar e viu outro tempo, viu-se noutro tempo que não o de agora, mas o de então, o daquela altura em que dispunha do tempo como se o tempo não tivesse fim. As tardes, intermináveis; as férias, grandes, e que por serem grandes passavam ainda mais devagar que o tempo que se estendia por ali, por entre os pinheiros e a vista da serra, o tempo que talvez também olhasse a serra como ele fazia quando se sentava naquele alpendre de pedra e inspirava o cheiro da resina e o cheiro da caruma e o cheiro do calor seco que acentuava ainda mais o cheiro da resina e o da caruma que por sua vez puxavam o do calor. A que cheira o calor? Perguntou isso tantas vezes a si próprio quando sentado naquelas mesmas cadeiras, quanto tempo passou? Trinta anos? Um pouco mais ou menos isso. E as cadeiras ali sem se mexerem, sem serem mexidas, no mesmo sítio, na mesma posição, fizesse chuva ou sol, estivesse frio ou calor, o cheiro do calor e da resina e da caruma fosse dia ou fosse noite. Enquanto a vida dele seguiu elas ficaram como que para lhe mostrar que, por vezes, o tempo não passa apesar de passar, que o tempo fica quieto, se deixa estar sentado numa cadeira a olhar a serra e a cheirar o calor e a resina e a caruma.
E a brisa? A brisa que mexia as páginas, que trazia conforto, mais o cheiro do calor, da resina e também o da caruma que acentuava o do calor e por aí em diante num círculo que não parava porque havia tempo para tudo. Até para a tal brisa, a que trazia o sono, lhe fechava os olhos, fazia o livro cair com estrondo despertando tudo. Tudo, menos o tempo, menos a serra, os pinheiros, os cheiros, a tal brisa e as ditas cadeiras que continuavam iguais como foram iguais durante 30 anos, o tempo da sua vida que passou ao lado do que não se passou ali.
Ali só passaram pessoas como ele. Uns sentaram-se, outros apenas estiveram, houve quem conversasse ou tão só pensasse: na serra, nas cadeiras ou nos pinheiros ou na vida, essa coisa estranha que passa por nós, muitos terão olhado mas nem viram, ver requer atenção: tempo; querer parar o tempo para que fique como naquela época, naquela idade, em que o tempo não andava apesar de querermos que andasse. Nunca era a altura. O tédio. A chatice da lentidão, do nada acontecer, nada se passar, nem o tempo, e os livros a serem lidos, passados de página em página, a caírem no chão com estrondo, retirados das prateleiras para onde voltavam quando terminados, livros com vidas lá dentro que passavam e que iam embora, embora ali continuássemos sentados nas cadeiras a ver a serra com os pinheiros à frente e a cheirar o calor, a que cheira mesmo o calor?, a resina e a caruma.
Advogado.
Escreve à quinta-feira