É já no próximo mês, a 23 de setembro, que passa a ser proibido abater animais nos canis municipais. No entanto, os veterinários advertem para o facto de muitas autarquias ainda não estarem devidamente preparadas para esta mudança.
Em 2016, o governo aprovou uma lei que proíbe os abates de animais nos canis. Os deputados, que aprovaram a medida por unanimidade, deram dois anos aos centros de recolha de animais para se prepararem – entre criar mais infraestruturas ou fazerem um alargamento do espaço – mas poucos se precaveram.
Ricardo Lobo, membro da direção da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM), revelou ao i que esses dois anos de preparação não foram suficientes e prevê que o número de animais errantes nas ruas comece a aumentar.
Os veterinários também alertaram o governo para o problema denunciado por Ricardo Lobo, assegurando que o risco do aumento dos animais errantes nas ruas é maior porque a maioria dos canis estão cheios e, com o fim dos abates, a capacidade de recolha fica muito reduzida. Porém, na semana passada a maioria dos partidos já disseram que não pretendem adiar a lei.
No ano passado, segundo dados da Direção-Geral de Veterinária e Alimentação (DGAV), foram recolhidos 36 mil animais, dos quais cerca de 10 mil foram abatidos e 14 mil foram adotados. Só no primeiro semestre deste ano já foram recolhidos perto de 14 mil animais.
Perante estes números, o responsável da ANVETEM receia que os animais abandonados nas ruas se possam começar a agrupar em matilhas e que passem a atacar rebanhos e a fazer estragos. “Isto vai levar a problemas de saúde pública gravíssimos e problemas que as pessoas já não estão habituadas a ter (…). Temos mais animais e isso vai ser um bocado catastrófico, porque nós temos já casos de matilhas formadas”, revelou ao i Ricardo Lobo. “Estamos a caminhar para uma situação um bocado sem retorno”.
O especialista defende que a lei se focou no ponto errado: “A lei não devia ter centrado o foco nos abates, porque os abates realmente são uma coisa cruel de se fazer, mas são a última opção e são de facto a última arma que nós temos. Neste momento não temos mais nenhuma arma e contra este número de animais errantes pouco podemos fazer no imediato”. Para o responsável, a maneira mais eficaz de reduzir este número de forma duradoura é através da sensibilização, mas deixa a ressalva de que para surtir efeito são necessários anos. Como exemplo, diz que se deve começar a educar as crianças, nas escolas, para a questão do abandono dos animais: “Como as crianças foram educadas também para a proteção do ambiente, começarmos também a educar para a questão do abandono animal. Isto é uma medida que surtirá efeito daqui a 10 ou 15 anos, e será o principal, moldar a cabeça das crianças, que são os adultos do futuro”.
Os canis foram obrigados a arranjar uma maneira diferente de controlar a população de animais errantes: uma delas é a esterilização. Foi nesse sentido, que o governo decidiu disponibilizar uma verba de 500 mil euros para ajudar os municípios a começarem a esterilizar os animais.
Ricardo Lobo discorda da lei aprovada em 2016 e diz que substituir os abates pelas esterilizações só surtirá efeito se esta for generalizada a todos os animais. Os animais dos canis não são os que geram problemas, os mais preocupantes “são os que ainda não chegaram ao centro de recolha oficial”, adiantou. “Se não temos o trabalho para diminuir o numero de animais que recolhemos todos os anos, não podemos estar a pensar em acabar com os abates nos canis, porque os abates nos canis são a única arma para nos podermos continuar a ter espaço e continuar a recolher”, defendeu.
Controvérsia na proibição dos abates No entanto, nem todos são da mesma opinião de Ricardo Lobo e a questão dos abates tem gerado alguma controvérsia.
O canil municipal de Sintra foi o primeiro centro de recolha de animais a deixar de abater, em Portugal. A decisão de foi adotada em 2006, segundo referiu ao i Eduardo Quinta Nova, vereador da Câmara Municipal de Sintra, quando deixaram de recorrer ao abate “numa lógica de promoção, proteção e valorização dos direitos dos animais”.
Quanto à medida do governo, o vereador considera que é “inatacável e meritória”, mas diz que é necessário ter consciência que esta ação deve ser “acompanhada de medidas de apoio à esterilização, melhoria e alargamento dos centros de recolha de animais, sob pena de criar uma enorme pressão e estrangulamento da resposta dos municípios neste domínio”. O município “vê com grande preocupação o significativo aumento do número de animais abandonados ocorridos nos últimos anos, realidade que contribui para um forte agravamento das dificuldades no acolhimento desses animais”, completou o responsável.
Margarida Garrido, responsável pela campanha de esterilização de animais abandonados, concorda com o vereador e com a lei. Ao i sublinhou que esta é uma boa medida e que abater os animais “não serve absolutamente de nada, porque os animais reproduzem-se imenso”. Matar uma cadela que está num canil não resolve o problema porque as cadelas que estão nas ruas continuam a parir, sendo que “a única hipótese é esterilizar”.
A responsável defende que apesar da boa medida, há um grande problema na aplicação desta lei: as câmara não começaram a esterilizar os animais quando já o deviam ter começado a fazer.
Quanto à formação de matilhas, o vereador confirmou ao i que em Sintra existem, neste momento, três mas que já estão a ser tomadas medidas para as capturar. As matilhas estão localizadas na Beloura, em Colares e Massamá Norte, referiu o responsável, garantindo que estas “serão retiradas do espaço público” assim que possível.
O município não tem registo ou conhecimento “de qualquer ataque consumado a pessoas por parte de cães de uma matilha”, assegurou o vereador. Tem sim registo de ataques esporádicos a outros animais – situações que, segundo Eduardo Quinta Nova, têm causado alguma preocupação e receio nas populações. Por esse motivo, a autarquia “decidiu criar condições para a captura e colocação destas matilhas em espaços adaptados no canil de Sintra. Além de poderem constituir um perigo para a saúde pública, estes animais podem representar um risco para a segurança de pessoas e bens e, por isso, a necessidade da sua retirada do espaço público”.
Sempre existiram matilhas, disse ao i Margarida Garrido, considerando que a agitação atual em torno das matilhas é “uma manobra intimidatória para as pessoas dizerem que se tem de continuar a abater”. “Acho que estão a querer assustar as pessoas”, adiantou.
A lei, que entra em vigor já em setembro, obriga agora os canis a arranjarem novas alternativas para controlar a população de animais errantes, como a esterilização, a prevenção contra o abandono de animais e apostar nas adoções.