Numa crónica de bem-dizer não cabe falar dos dislates da política nacional nem dos desatinos da cena internacional. Por isso, não vêm ao caso episódios como o ultrassionismo de Israel – Estado judeu só para judeus -, as ameaças à paz mundial resultantes dos impulsos caprichosos do inefável presidente americano – ataques indiscriminados à imprensa americana, ao comércio e a instituições internacionais, etc. -, tampouco a saga dos refugiados da fome e da miséria que ficam à deriva no mar – os que não se afogaram… – sem porto que os acolha. Minudências.
Numa crónica de bem-dizer convém falar do que merece louvor, e o que mais há é assunto, mesmo portas adentro, que é como quem diz em Portugal. Poder-se-ia falar, apenas como exemplo, dos prémios ganhos por cientistas e desportistas, já para não citar os números oficiais do desemprego ou do desempenho da economia, que isso é matéria árida em tempo de verão. Falemos, então, de amenidades; amenidades durienses, verbi gratia.
Nos roteiros turísticos do Douro Património da Humanidade é apresentado o vale do Varosa como repositório de património histórico de grande valor. Partamos, pois, à descoberta desse naco de território. O rio Varosa, afluente do Douro, nasce na serra de Leomil, algures entre Tarouca e Moimenta da Beira, espreguiçando-se num vale de terras férteis e generosas, onde tudo medra, antes de chegar à foz. Oliveiras, amendoeiras, cerejeiras, vinhedos a perder de vista, estradas, povoados e caminhos, tudo bem arrumado e com fartura. É ainda reino dos sabugueiros, enfeitados com cachos de pequenas bagas grenás, de muitos usos, como compotas e licores locais. Não foi, por conseguinte, por acaso que neste vale se fixaram, nos começos do séc. xii, os monges de Cister e aí fundaram o primeiro mosteiro da ordem em Portugal, o Mosteiro de São João de Tarouca. Pouco depois foi erigido o Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Mais tarde, por volta dos sécs. xiv-xv, haveria de surgir o Convento de Santo António de Ferreirim e a Ponte Fortificada de Ucanha. Da paragem dos cistercienses por estas terras adveio em boa medida o incremento da atividade agrícola, já que os monges sabiam como explorar – em sentido lato… – os extensos coutos que jurisdicionavam. Não ignorando, obviamente, o legado arquitetónico e cultural. Certo é que, com a extinção das ordens religiosas, decretada em 1834 – no tempo do liberalismo -, os mosteiros e conventos foram desmantelados, literalmente – partes dos edifícios vendidas em hasta pública, e o de São João de Tarouca seria mesmo usado como pedreira até ao início do século passado. Dos mosteiros mantiveram-se as igrejas, passadas a paroquiais, evidenciando as diferentes reformas estilísticas de que foram sendo alvo, e pouco mais. Não obstante, o esforço e empenho postos na recuperação, a possível, destes monumentos merecem elogio: áreas expositivas, ruínas musealizadas, centros de interpretação; há todo um lavor visível, e a visita é recomendável.
A fechar, uma dica gastronómica para sedimentar o percurso: em Ucanha há que provar os milhos – prato tradicional, de substância, servido em pote de ferro preto – na Tasquinha do Matias, mesmo junto à ponte fortificada. Imperdível!
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