“Um vídeo lamentável que apaga o desastre que foi o programa de ajustamento grego e branqueia todo o comportamento das instituições europeias”. Foi desta forma que o ex-porta-voz socialista João Galamba classificou ontem no Twitter o vídeo do ministro das Finanças, Mário Centeno, sobre o fim de oito anos de resgate financeiro à Grécia. O governante revoltou o Bloco de Esquerda, mas também figuras da ala mais à esquerda do PS, além do antigo ministro das finanças grego, Yannis Varoufakis. No PSD e no CDS apontam-se as contradições entre o cargo de ministro e de presidente do Eurogrupo.
No PS, ficou claro que Centeno divide opiniões e houve quem não perdoasse a crítica do ex-porta-voz socialista. “A comunicação de Mário Centeno sobre a saída da Grécia do programa de assistência faz todo o sentido. Está claro que o doido do Varoufakis (quase acabava o que restava do seu país) não lhe acha piada nenhuma, mas pensei que João Galamba já tinha esgotado as duas doses de radicalismo barato. Enganei-me”, escreveu o deputado socialista Ascenso Simões, num comentário à opinião do antigo porta-voz do PS.
A troika saiu ontem da Grécia e o ministro das Finanças vestiu a pele de presidente do Eurogrupo para saudar os gregos, assinalando “o dia especial” para aquele país da zona euro, num vídeo com pouco mais de um minuto, partilhado no Twitter.
Numa declaração em inglês, Centeno defendeu que a “Grécia voltou ao normal”, e que ontem “reconquistou o lugar porque tanto lutou”. Apesar dos elogios, o também presidente do Eurogrupo lançou avisos “A Grécia reconquistou o controlo pelo qual lutou. Com controlo vem a responsabilidade. Os gregos pagaram caro pelas más políticas do passado, por isso, voltar atrás seria um grave erro”. Depois de sucessivas renegociações do resgate financeiro desde 2010, Centeno reconheceu que os resultados ainda não chegaram “a toda a população” grega.
O discurso do ministro caiu muito mal entre os parceiros que apoiam o governo. Antes do comentário crítico do antigo porta-voz socialista também o dirigente do BE José Gusmão atacou a mensagem: “Um vídeo ridículo para quem tem alguma noção do que aconteceu na Grécia, insultuoso para os gregos e esclarecedor para os portugueses. Ainda alguém tem dúvidas sobre se o governo ganhou um representante no Eurogrupo ou vice-versa?”, disse no Twitter o membro da comissão política bloquista. As críticas de dirigentes do Bloco a Centeno não são novas, mas ontem ganharam novo fôlego. “Quem achava que Centeno ia mudar alguma coisa no Eurogrupo enganou-se. É muito perigoso e muito preocupante para o futuro do país”, defendeu a dirigente Mariana Mortágua, citada pelo “Expresso”.
O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, chegou a dizer que no governo são “todos Centeno”. A frase provocou choque entre os parceiros de esquerda pelo facto de o ministro da Saúde não reclamar mais peso político face ao ministro das Finanças. Talvez por isso, ontem o vídeo do também presidente do Eurogrupo serviu para ampliar as críticas. “Definitivamente não somos todos Mário Centeno. Mais valia pôr as legendas em alemão, o discurso dos povos expiadores de pecados orçamentais cola bem no reino da Merkel. Por cá sabemos em que altar se inventou a austeridade. E até fora de horas aparecem novos crentes”, argumentou a deputada do BE Joana Mortágua. Que engrossou a lista de ataques nas redes sociais.
Quem também foi duro com Centeno foi o antigo ministro das Finanças grego, Yannis Varoufakis: “A Comissão Europeia a acrescentar insulto à miséria insuportável da Grécia com um vídeo de estética/imoralidade da máquina de propaganda norte-coreana”, atirou o ex-governante grego, que chocou de frente com a Comissão Europeia e Eurogrupo para renegociar o resgate financeiro no início do governo do Syriza, força política que chegou a ser considerado partido-irmão do Bloco de Esquerda.
No PCP, o ataque foi mais estrutural, contestando-se os “pactos de agressão contra Estados e povos”.
A revolta da esquerda também se refletiu no PSD, mas por motivos bem diferentes. Miguel Morgado, deputado do PSD e antigo conselheiro do ex-primeiro-ministro Passos Coelho, apontou as contradições de Centeno: “Passou 3 anos a apoucar a saída limpa portuguesa de 2014 – conseguida contra todos os esforços contrários do PS – e agora desfaz-se em palavras doces para um país que sai devorado por problemas após oito anos de bailout. Há mínimos”.
O porta-voz do CDS, João Almeida, disse ao i que “é impossível ser politicamente sério e coerente e achar que é a mesma pessoa quando fala em Portugal e na Europa”. O dirigente centrista sublinhou ainda que o resgate grego foi bem mais duro que o português.
O primeiro-ministro, António Costa, também deu os parabéns ao governo e povo gregos “pela conclusão do programa de apoio à estabilidade”. A frase mereceu críticas no PSD. Margarida Balseiro Lopes, líder da JSD, e o deputado Duarte Marques , insistiram na ideia de que faltou dar os parabéns a Passos e ao povo português quando o país saiu do plano de resgate. “Os parabéns ao primeiro-ministro português e ao povo português que saiu em 2014 de um programa de ajustamento ainda estão por chegar”, escreveu a líder da JSD.