A summit que quer normalizar o fascismo


Cosgrave, além de sugerir que o governo vete convidados que não deseje, numa invulgar declaração de prostituição política, ensaia a justificação ideológica do convite a Le Pen pela equiparação de políticas anti-humanitárias e racistas às dos movimentos radicais de defesa dos trabalhadores e de igualdade entre pessoas


Convidada; não convidada; convidada; não convidada se o governo pedisse; até ver, não convidada. Foi assim que a líder da última recauchutagem do movimento fascista francês passou a ser a estrela da Web Summit 2018.

Na sua página oficial, a Web Summit apresenta-se como a maior conferência do mundo sobre tecnologia propondo–se juntar a comunidade tecnológica com todas as indústrias. Do ponto de vista técnico-científico, o convite a Marine Le Pen não faz qualquer sentido. Le Pen foi uma escolha política.

A Web Summit é um típico evento de propaganda neoliberal. Debaixo de um verniz de liberalidade e não inscrição política propaga-se a ideia de que tudo se consegue absorver e que nada é político. No meio da polémica, Paddy Cosgrave (CEO da empresa que administra a Web Summit) escreveu um texto lapidar e ideologicamente caracterizador do evento sob o título “O que fazem militantes anarquistas, líderes sindicais esquerdistas, populistas de extrema-direita e libertários numa conferência de tecnologia?” Cosgrave, além de sugerir que o governo vete convidados que não deseje, numa invulgar declaração de prostituição política, ensaia a justificação ideológica do convite a Le Pen pela equiparação de políticas anti-humanitárias e racistas às dos movimentos radicais de defesa dos trabalhadores e de igualdade entre pessoas. Como se o discurso negacionista sobre o nazismo – que nega, por exemplo, a existência de campos de concentração – pudesse ser colocado em pé de igualdade com o da resistência à ocupação. Como se devêssemos ouvir os dois lados esquecendo que um deles se baseia em mentiras e se alimenta do ódio e da intolerância entre seres humanos.

O pedestal de superioridade moral em que Cosgrave se posiciona, declarando- -se equidistante ainda que achando importante dar visibilidade às ideias que Le Pen advoga, representa uma das mais sub- -reptícias formas de normalização do discurso da intolerância. Esta banalização do medo, do ódio e do racismo a que o neoliberalismo também se dedica é terreno fértil para a ascensão de figuras como Trump, Salvini, Le Pen ou Bolsonaro.

 

Escreve à segunda-feira