Chicago. A história trágica das cinco crianças que foram vendidas pela própria mãe

Chicago. A história trágica das cinco crianças que foram vendidas pela própria mãe


A 5 de agosto de 1948, o jornal “The Vidette-Messenger of Valparaiso” publicava uma imagem que iria chocar o mundo. Mas qual a história por detrás desta fotografia?


Chocou milhares de pessoas quando foi publicada. Com a Internet, acabou por se tornar viral, por simbolizar o desespero de uma mãe ao ter de abdicar do que mais ama. Mas a verdade é que esta fotografia esconde uma história ainda mais dramática. 

Este mês, faz 70 anos que a imagem de uma mulher a vender os seus quatro filhos foi publicada na capa de um jornal norte-americano. Na fotografia, é possível ver um cartaz com a frase “Vende-se. Mais informações lá dentro”. Na entrada de casa, estão quatro crianças sentadas, sem noção do que se está a passar. A mãe, grávida, esconde a cara, com vergonha de tudo o que se está a viver.

A fotografia foi publicada pela primeira vez na edição de 5 de agosto de 1948 do jornal “The Vidette-Messenger of Valparaiso”. “Um grande sinal a dizer ‘Vende-se’ num jardim em Chicago ilustra a história trágica do senhor e da senhora Ray Chalifoux, que foram despejados de sua casa. Sem qualquer ajuda, o camionista desempregado e a sua mulher decidiram venderam os seus quatro filhos. A senhora Lucille Chalifoux esconde a cara das câmaras, enquanto os seus filhos parecem não perceber o que se passa. No topo das escadas, Lana, de seis anos, e Rae, de cinco. Em baixo, Milton, de quatro, e Sue Elle, de dois”, lê-se na legenda que acompanha a fotografia de capa daquela edição.

Com o crescimento da Internet, a fotografia ganhou outro impacto. Alguns partilhavam a imagem como símbolo da luta das camadas mais pobres da sociedade, outros como um exemplo de como as fotografias podem enganar – vários acreditam que tudo não passou de uma encenação. A verdade é que a fotografia foi mesmo publicada nesse jornal – é possível encontrar edições completas de centenas de jornais norte-americanos no site NewspaperArchive e esta capa está disponível – e há quem alegue mesmo ter tido um papel ‘ativo’ nesta história: o jornal “The Times of Northwest Indiana” entrevistou quatro pessoas que afirmam ser as crianças vendidas.

 

A minha mãe “deve estar a arder no inferno”

Quando foram vendidas a outras famílias, Rae tinha sete anos e Sue Ellen quatro. De acordo com o jornal norte-americano, voltaram a encontrar-se em 2013, quando tinham 70 e 67 anos, respetivamente. Sue Ellen morreu pouco tempo depois deste encontro, vítima de cancro no pulmão.

Rae afirma que foi vendida a 27 de agosto de 1950 por apenas dois dólares, para sustentar o vício da mãe: o bingo. Não existem quaisquer documentos que provem a venda da criança, nem papéis relacionados com um processo de adoção. No entanto, os chamados ‘livros do ano’ da escola onde andou corroboram a história contada ao “The Times of Northwest Indiana”: quando foi levada pela nova família, ganhou um novo nome – Beverly Zoeteman. Milton, na altura com cinco anos, também foi vendido à mesma família. Passou a chamar-se Kenneth Zoeteman.

Com as redes sociais, Rae decidiu tentar reencontrar os irmãos. Com essa busca, encontrou também a tão famosa fotografia. Diz que não se lembra do momento em que a foto foi tirada, nem tem lembranças do seu pai biológico. Só se lembra dos abusos que sofreu em casa dos Zoetemans: “Eles costumavam acorrentar-nos. Não éramos crianças, éramos trabalhadores do campo”, explicou ao “The Times of Northwest Indiana”.

Quando era adolescente, foi raptada e violada. Acabou por engravidar e, por isso, foi enviada para uma casa no Michigan só para mães solteiras. A filha foi-lhe retirada e dada para adoção.

A história de Sue Ellen seguiu um caminho menos conturbado: o seu filho, Timothy, afirma que a família tinha os papéis que davam conta da adoção de Sue Ellen por uma família de apelido Johnson, mas os documentos foram destruídos num incêndio. Foi criada perto do sítio onde nasceu e tinha uma vida pacata. Sem conseguir falar, Sue Ellen respondeu por escrito às questões do jornal norte-americano, mostrando-se “muito feliz por finalmente reencontrar” a sua irmã. Quanto à mãe biológica, pouco teve a dizer: “Deve estar a arder no inferno”.

 

Os outros irmãos

Pouco se sabe sobre Lana, a irmã mais velha. “Nunca cheguei a encontrar a minha irmã Lana. Pelo que sei, morreu em 1998, vítima de cancro”, explicou Rae.

Já Milton, o rapaz que foi levado pela mesma família que comprou Rae, não tem muitas memórias de infância. Diz que foi espancado pelo seu pai adotivo, que quis fazer dele um escravo. “ Eu não sabia o que era um escravo. Eu era apenas uma criança”, disse ao “The Times of Northwest Indiana”. Em 1970, encontrou a mãe biológica pela primeira vez. Passaram um mês juntos, mas as coisas não correram bem – Milton envolveu-se numa luta com o companheiro de Lucille e a polícia foi chamada ao local. “A minha mãe nunca me amou. Nunca pediu desculpa por me ter vendido. Odiava-me tanto que nem sequer se importava com o que eu poderia sentir”, explicou.

 

“Quem somos nós para julgar”

Pouco tempo depois da divulgação desta fotografia, Lucille engravidou. Bedford Chalifoux nasceu a 26 de setembro de 1949. Foi adotado no ano seguinte pela família McDaniel, que lhe deu o nome David. De acordo com os documentos da adoção, citados pela “The Times of Northwest Indiana”, mostram que o bebé apresentava vários sinais de maus-tratos. “Tinha marcas de mosquitos no corpo todo. O ambiente não devia ser o melhor”, afirmou.

David foi criado perto de Rae e Milton e lembra-se bem de os ver “atados no celeiro”. “Eles eram muito mal tratados”, recorda o irmão mais novo que, por várias vezes, tentou soltá-los e fugir antes que fosse apanhado. Hoje, com 66 anos, não guarda rancor em relação à progenitora: quando reencontrou a mãe biológica, “ela não pediu desculpa pelo que aconteceu. Na altura, era a forma de sobreviver. Quem somos nós para julgar? Somos todos humanos. Todos cometemos erros. Se calhar estava a pensar no melhor para os seus filhos, não queria que eles morressem”.