2014. Seguro e Costa abrem guerra interna no PS

2014. Seguro e Costa abrem guerra interna no PS


Em maio de 2014, o PS ganhou as eleições europeias, mas com pouca margem em relação ao PSD. António Costa lançou críticas à liderança de António José Seguro e anunciou que estava disponível para o substituir. A partir daí, começou uma guerra interna no PS que aqueceu o verão dos socialistas


O ano de 2014 foi de eleições europeias. A 25 de maio, houve votações para escolher os 21 deputados portugueses do Parlamento Europeu. O Partido Socialista, cujo cabeça de lista era Francisco Assis, saiu vitorioso, mas por uma curta margem em relação ao Partido Social Democrata. Os socialistas conseguiram 31,46% dos votos, e elegeram oito deputados, contra os 27,27% dos sociais-democratas, que conseguiram sete deputados. 

Na altura, o PSD e o CDS estavam no governo, liderado por Passos Coelho, que ficou marcado por fortes medidas de austeridade, com a vinda da Troika para Portugal. Por isso, o PS esperava uma vitória significativa nas eleições europeias, mas o resultado não foi brilhante e desencadeou críticas entre os socialistas. 

Depois das eleições europeias, Seguro fez um discurso de vitória, em que anunciou “um novo ciclo político” e se congratulou por “em menos de um ano” ter tido duas vitórias eleitorais. Mas, dois dias mais tarde, o então líder do PS acabou por ser corrigido por António Costa – na altura ainda presidente da Câmara de Lisboa – que afirmou que os resultados das europeias não deviam ser celebrados, mas sim motivar a reflexão. “A maior tragédia seria chegar às legislativas com resultados iguais a este”, defendeu.

Nesse dia, a 27 de maio, o socialista avisou os jornalistas que ia falar sobre os resultados das eleições europeias e, sem ainda ter comunicado a sua intenção a Seguro, António Costa anunciou a sua disponibilidade para assumir a liderança do partido.

A partir daí, iniciou-se uma guerra interna no PS que tornou o verão de 2014 muito quente para os socialistas, dividindo-os entre apoiantes de Costa e apoiantes de Seguro. O objetivo dos dois ‘Antónios’ era ganhar o partido e ser o candidato do PS a primeiro-ministro. Chegou a haver agressões físicos e insultos nas reuniões partidárias. Nas declarações públicas de ambos houve ataques pessoais. E nas redes sociais as palavras foram duras. 

No início do mês de junho, António José Seguro utilizou a sua página do Facebook para deixar um “recado” político e público a António Costa. Dias antes, os jornais “Expresso” e i tinham divulgado sondagens que previam uma queda do PS nas intenções de voto dos portugueses para as legislativas e, para Seguro, a culpa era de Costa. “Este é o resultado da irresponsabilidade de António Costa. Os danos provocados ao PS devido à sua ambição pessoal!”, escreveu o então líder dos socialistas. 

Na mesma publicação, Seguro lamentou a descida nas pretensões dos eleitores, depois de “termos ganho as eleições europeias [de 25 de maio] e do governo ter chumbado pela terceira vez no Tribunal Constitucional”. “É lamentável. O PS não merece isto”, acrescentou.

Nessa altura, já António Costa tinha apresentado as Linhas Estratégicas da sua candidatura a secretário-geral do PS, no Porto, afirmando-se com uma nova visão e “capacidade de agregar como alternativa de governo” e pedindo uma década para cumprir a sua agenda. Declarando que se candidatava por “imperativo de consciência”, o ainda presidente da Câmara de Lisboa disse que Portugal precisava de um governo forte e que a sua ambição era “dar força ao PS, para formar uma solução de governo forte e coesa, que gere confiança, estabilidade, esperança”.

Mas a batalha pela liderança do PS não se centrou apenas em Costa e Seguro, estendendo-se ao resto do partido. Não era possível que nenhum militante ficasse no limbo: ou escolhia António José Seguro ou escolhia António Costa. E o presidente da Câmara Municipal de Lisboa parecia sair a ganhar: mais de metade da bancada parlamentar (45 deputados) usou um abaixo-assinado como posição de força para pedir a Maria de Belém, presidente do partido, para marcar um congresso extraordinário em vez de primárias, apoiando a posição de António Costa. 

A confusão estava de tal forma instalada no PS que há até relatos de agressões físicas. Numa reunião da Comissão Distrital do PS de Braga, foi aprovada uma “recomendação” para que fosse agendado um congresso nacional e marcadas “diretas” com 44 votos a favor e dois contra, depois de elementos afetos a António José Seguro terem abandonado os trabalhos. Fonte do órgão, ligada a Seguro, contou mais tarde que se “instalou a confusão” quando o presidente da mesa, Mesquita Machado, “forçou” a votação da referida recomendação, que não constava na ordem de trabalhos, pelo que alguns membros consideraram a votação “ilegal”. Testemunhas afirmaram que houve “agressões a funcionários do partido”.

 

Eleições primárias

O congresso extraordinário não chegou a acontecer, mas foram realizadas eleições para escolher o candidato socialista a primeiro-ministro nas legislativas. No dia 5 de junho, numa reunião da Comissão Política Nacional, António José Seguro propôs a realização de eleições primárias para dia 28 de setembro e o partido aprovou. “Na hipótese de não vir a ser o candidato eleito, e apenas nessa circunstância, o secretário-geral do PS apresentará de imediato a sua demissão”, declarou Seguro no projeto de resolução apresentado.

António Costa e os seus apoiantes votaram a favor, mas apresentaram uma declaração de voto a considerar este passo dado pelo PS como “um grave erro” político.

A marcação de eleições não acalmou os ânimos e a troca de galhardetes entre os candidatos às primárias do PS continuou durante todo o verão. No mês de julho, durante um encontro com simpatizantes e militantes do PS, António Costa pediu “elevação” no debate político interno no partido para que não se abram “feridas que amanhã sejam difíceis de sarar”. Contudo, deixou um recado a Seguro, dizendo que para se ser alternativa “não basta ganhar”, porque “quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho”, referindo-se mais uma vez aos resultados das eleições europeias de maio.

Os debates televisivos entre António José Seguro e António Costa também não foram amistosos. No primeiro, Seguro entrou logo a atacar António Costa, acusando-o de “traição”. “António Costa foi desleal e traiu uma cultura que existe há 40 anos no partido socialista. Assinou um acordo comigo no ano passado e teve antes duas oportunidades para se candidatar à liderança. Na sequência da vitória socialista nas europeias rasgou-o. Violou uma regra e uma cultura do PS”, argumentou.

No segundo, foi o na altura presidente da Câmara de Lisboa que apontou o dedo a Seguro, afirmando que o secretário-geral do PS se apropriou de propostas que faziam parte dos programas do partido há vários anos. E, no último, Seguro falou de uma mistura de negócios com política por parte de Costa, que acusou o adversário de fazer “insinuações graves”.

 

Costa é eleito

No dia 28 de setembro, Costa acabou por vencer as primárias do PS ao recolher 118.454 dos 174.516 votos depositados nas assembleias de voto, numas eleições inéditas no panorama político português, uma vez que foram abertas a simpatizantes do partido. Com este resultado, António Costa conquistou 67,88% dos votos dos socialistas contra apenas 31,65% de António José Seguro.

Como prometido, António José Seguro demitiu-se do cargo de secretário-geral do PS. “Regresso hoje à condição de militante de base do partido”, disse o candidato derrotado. 

Maria de Belém, presidente do PS, assumiu interinamente a liderança do partido até ao Congresso, realizado em novembro, onde António Costa foi eleito líder do PS, sem oposição na corrida a este lugar.