Maria João deixou de beber café no mesmo sítio porque insistiam em dar-lhe um daqueles pauzinhos de plástico em vez de uma colher de metal. Miguel Gonçalves anda sempre com sacos de pano no carro, um hábito que muitos já terão adotado para fugir aos sacos de plástico pagos no supermercado. Mas de há uns tempos para cá deu por si a tentar fugir também aos sacos de plástico leves, aqueles usados para pesar a fruta e legumes. “Sempre que posso peso o que estou a comprar e colo o rótulo diretamente, por exemplo num ananás ou na courgette”, explica. “Uma vez já fiz queixa de terem cada vez mais coisas embrulhadas em plástico e em embalagens. Qual é o sentido de comprarmos brócolos enrolados naquele plástico aderente?” Carolina Torres tinha preocupações semelhantes, pelo que compra tudo a granel “há sensivelmente um ano”. No Natal do ano passado decidiu levar a coisa mais a sério e presenteou toda a gente com cremes feitos por si a partir de ingredientes naturais, como óleo de coco, que acondicionou dentro de pequenos frascos de vidro. “E não embrulhei a maior parte dos presentes, é um abuso o papel que se gasta. Usei alguns sacos bonitos que tinha lá por casa e noutros pus só uma fitinha com um cartão”, conta ao i.
Estes são exemplos de atos simples mas que plasmam uma tendência comum a uma geração – Maria João, Miguel e Carolina têm entre 28 e 42 anos – cada vez mais preocupada com a sustentabilidade do planeta. Uma preocupação que parece chegar cada vez mais às grandes organizações: hoje em dia, nos grandes resorts e hotéis, as placas a pedir aos clientes para se absterem do uso de palhinhas são cada vez mais comuns.
Mas se estes três exemplos espelham a mudança, o caso de Inês Raposo, 26 anos, e Francisco Neves, 27, é, definitivamente, um salto gigante em direção a uma nova forma de vida – e de consumo. A médica dentista e o gestor decidiram reduzir a produção de lixo doméstico quase a um nível nulo e, quando se casaram, a 30 de junho deste ano, não lhes fazia sentido terem uma festa que não refletisse esta forma de estar na vida. Já lá iremos.
Um casal zero waste Começou tudo com uma resolução de ano novo, tomada depois de verem muitos documentários e discutirem o tema com amigos. “O Francisco era mais consciente do que eu nestas matérias”, conta Inês. Em conjunto, decidiram que iriam reduzir o consumo de plástico lá por casa e começaram pelo que lhes pareceu mais óbvio: a alimentação. “Começámos por comprar a granel e levamos os nossos frascos. Vamos a uma loja, a Maria Granel, que agora também já abriu em Campo de Ourique, e compramos logo, por exemplo, o grão em grandes quantidades. Depois demolhamos, cozemos e congelamos, e assim temos sempre pronto”, explica Já os produtos frescos são adquiridos no Mercado de Campo de Ourique e, mais uma vez, levar os sacos e embalagens necessárias de casa é o método de eleição.
Inês admite que, como vegetarianos, talvez seja mais fácil contornar as embalagens, mas, ainda assim, diz que quem come peixe e carne também consegue contornar a questão. “Já me aconteceu ter de ir comprar peixe ao Pingo Doce, levei os recipientes e também não houve problema”, relata.
E encomendar comida, passou a ser uma linha vermelha? “Deixámos de pedir take-away para entregar em casa porque vem cheio de embalagens, mas encomendamos e vamos diretamente buscar aos restaurantes. Explicamos que vamos levar os nossos recipientes e, até agora, ninguém olhou para nós como se fôssemos extraterrestres”, explica a dentista.
Depois de implementarem estes hábitos “aos bocadinhos”, perceberam que tinham reduzido drasticamente o lixo que produziam e, nessa altura, viraram–se para a segunda zona da casa onde usavam mais plástico: a casa de banho. Por isso, começaram a comprar os sabonetes também a granel e a fabricar em casa a própria pasta de dentes. “Só faltava uma alternativa ao papel higiénico, que vem sempre numa embalagem de plástico. Mas, há duas semanas, a Renova lançou uma linha de papel higiénico que vem dentro de uma embalagem de papel. Por isso, agora estamos no consumo zero de plásticos”, conta.
Casar sem lixo No final de junho, Inês e Francisco deram o nó na zona de Alenquer, numa cerimónia “mais informal” que a noiva gosta de definir como “um casamento comunitário”. “Pedimos as loiças emprestadas, as mesas e as cadeiras”, diz. A comida também ficou a cargo da família e amigos. Os noivos compraram todos os ingredientes e depois pediram aos mais chegados para os confecionarem: houve húmus de vários tipos, croquetes de batata doce, muito cuscuz… “Encomendámos e comprámos tudo na Maria Granel, que realmente foi uma grande ajuda, e os restantes vegetais no Mercado de Benfica”, relata Inês, contando que também a decoração foi toda feita com prata da casa.
No fim, ficam as memórias de um dia passado exatamente como tinham planeado: rodeado de amigos, família e praticamente sem mácula para o ambiente.
Mas escolher viver sem plástico fica, afinal, mais caro? E é muito mais trabalhoso? “Sinceramente, achava que ia dar muito mais trabalho”, responde a dentista. “Como cozinhamos sempre em grandes quantidades e congelamos, acho que até poupamos dinheiro. Claro que para isso é preciso muita organização para depois não ter de ir ao supermercado à última hora comprar um pacote de massa.” Por isso, Inês diz que esta tem de ser uma decisão “superconsciente”. “Para nós, isto não aconteceu de um momento para o outro, primeiro houve uma fase de habituação.”
Para quem quer ter uma vida mais sustentável, Inês deixa quatro sugestões. Fazer as coisas por fases, ter muita vontade e, acima de tudo, planear. Por último, mas não menos importante: não ter vergonha de aparecer de caixa na mão.