Entrados em agosto, assumimos o desígnio de um ano de trabalho para colocar a vida ao ritmo certo. Coisas simples, gente simples e uma harmoniosa cadência de uma vida, com qualidade e tempo para estar com quem gostamos e fazermos coisas de que gostamos. Tocados a um abrasivo e invulgar suão, mergulhamos na realidade de um território em que a única grande novidade do ano é a existência de um Bar da Praia, com vista para o areal do Almograve, beijado por ondas gélidas que teimam em querer contribuir para a resistência anual dos ossos e do corpo às maleitas do resto do ano. Um bálsamo para as almas e para os corpos citadinos, agora com amplificada vigilância de nadadores-salvadores em quase todo o areal.
Imersos na onda de calor e não muito longe da fustigada serra de Monchique, parte integrante de uma infância passada em Portimão, solidarizamo-nos com quem combate e distanciamo-nos da realidade política para constatar a inaceitável indigência de serviços públicos, como o transporte ferroviário, e uma enorme insolação do PSD, após mais um episódio de “pela boca morre o peixe” protagonizado pelo Bloco de Esquerda.
As temperaturas extremas registadas no país parecem ter acentuado os sintomas de insolação do PSD. Perdido no labirinto da procura do registo para a afirmação política pós-governação, o PSD mudou de líder, mas manteve uma inusitada e pouco creditada oposição política, sem resolver o passivo das opções governativas e sem enunciar alternativas para o futuro. Enleado em casos e trapalhadas de um pretenso líder rigoroso e austero, o PSD coloca-se numa encruzilhada autofágica de casa sem rei nem roque. Um ex-líder reitera anúncios de abandono do partido, ex-futuros candidatos a líder posicionam-se, e a agenda é tocada a manchetes dos jornais e ao que vai acontecendo, sem rasgo, sem escrutínio sustentado das situações e sem sentido de construção de uma alternativa. É preciso que os outros caiam por si, pela insustentabilidade das soluções e das opções, parece ser a estratégia política. O problema é se a realidade os desmente ou se a deriva autofágica se sobrepõe ao espírito de sobrevivência e à coesão que sempre o caracterizou, até com bolsas eleitorais muito relevantes.
O PSD apresenta um quadro clínico–político com todos os sintomas de insolação. A temperatura corporal aparenta ser elevada. O estado mental ou comportamento apresenta-se alterado, com agitação, confusão mental, discurso incoerente, irritabilidade, delírio e convulsões. Registam-se alterações na transpiração. À medida que a temperatura corporal aumenta, a pele pode ir ficando avermelhada. A respiração parece ter-se tornado rápida e superficial. Perante o quadro de deserções e de movimentações pode ocorrer a sensação de cabeça a pulsar.
A pouco mais de um ano de eleições, o país está confrontado com a necessidade de fazer escolhas. Há objetivos e compromissos para continuar a cumprir, há demasiados serviços públicos com relevância para o Estado e para as pessoas que apresentam sinais de colapso. Não aparentam ter condições para perpetuar um funcionamento assente em modelos de desinvestimento, de descontinuidade e de ausência de sustentabilidade das opções políticas. A sorte dá muito trabalho, mas alguns continuam a acreditar que acontece por acaso ou continuará a manifestar-se apesar do quadro de pré-rutura dos recursos humanos e materiais.
No calor abrasador dos últimos dias, antes da invasão do MEO Sudoeste, ficou claro que alguns, quais Ícaro, exageraram nos voos das narrativas políticas rumo ao sol, mas ficam também cada vez mais claras as inaptidões de muitos para o exercício político no tempo digital, em que o escrutínio é maior, embora nem sempre o rigor e a consequência política acompanhem a dinâmica existente.
Agora que a onda de calor amainou, a questão está em saber se a insolação do PSD é tratável, sem mais delírios; se quem apoia a solução governativa já percebeu que fazer parte do poder implica assumir toda a plenitude das opções seguidas; e se há condições para resgatar os serviços públicos do limiar de pobreza funcional em que estão colocados – uma realidade que resulta de muitos passivos acumulados nas últimas décadas e de opções políticas mais recentes. Mais do que conversas desculpabilizantes ou aproveitamentos por quem foi parte do problema, impõe-se um sentido realista de sustentabilidade e padrões básicos de qualidade dos serviços e das infraestruturas. A menos que se esteja à espera de alguma tragédia para depois mobilizar os meios para, pelo menos enquanto houver holofote mediático ou Presidente da República por perto, assegurar os mínimos.
Definitivamente, num país que vive do turismo, do sol e das praias, parece haver demasiadas insolações. A do PSD é só a mais recente.
Por mim, pela fresquinha da manhã, antes das rotinas da vida ao ritmo certo, vai mais uma caminhada até à Lapa das Pombas, ao longo de uma costa alentejana com paisagens únicas, resultado do longo namoro com um mar que impõe respeito e sabedoria.
NOTAS FINAIS
No pico do calor O pulsar das conquistas do piloto Miguel Oliveira, por agora, no campeonato Moto GP2 permite–nos assistir à construção de um invulgar campeão português num desporto motorizado. Viu longe o ACP, que há muito apoia o piloto.
Baixa-mar São inaceitáveis as sucessivas situações de desrespeito pelos utentes do serviço público ferroviário, algumas consequência de opções de vários governos. É ridícula a posição do governo perante os sinais de sufoco do serviço prestado.
Correntes De quando em vez há impulsos que povoam o nosso horizonte. Recordo-me de, há mais de dois anos, o saco azul do GES ser anunciado como alforge de pagamentos a políticos e jornalistas. Até hoje, de jornalistas, nada. Sempre estou para ver se o zelo das entidades do Estado com muitas atividades económicas de verão será desta vez extensível às atividades económicas da Festa do Avante!.
Escreve à quinta-feira