Não, nem que um bando de anjos se misturem no seio da alma encarnada. Não há forma de o céu poder esperar, como cantavam os Meat Loaf, por exemplo: “Heaven can wait/ And a band of angels wrapped up in my heart/ Will take me through the lonely night”.
Hoje à noite, recebendo o Fenerbahçe, o Benfica joga muita da sua época e muitíssima da sua credibilidade internacional, que ficou profundamente abalada pelas seis derrotas que somou na fase de grupos da última edição da Liga dos Campeões. Se contarmos com a derrota do ano anterior, em Dortmund, são sete de-saires de enfiada, algo nunca visto numa história tão cheia de momentos fantásticos.
A queda de Portugal no ranking europeu obriga agora o segundo classificado do campeonato nacional a duas pré-eliminatórias para poder aceder ao pote no fim do arco-íris dos milhões de euros. Tarefa complicada, ainda por cima porque logo no início da época. O conjunto de Rui Vitória disputa hoje o seu primeiro jogo oficial, o que não deixa de ser incomodativo, sobretudo porque ainda não ficámos com a imagem correta do verdadeiro valor de algumas contratações, daquelas que parecem ter sido suficientemente cirúrgicas para entrarem de caras no onze principal.
Convenhamos: os jogos de pré-época, por muito que sejam travados contra adversários de nomeada, não valem para aquilatar a realidade de um conjunto. Pessoalmente, não me atreveria a tecer cogitações definitivas sobre que Benfica estará esta noite na Luz e se estará num ponto da sua construção que permita viajar para Istambul com um sorriso nos lábios. São diversas as alterações sofridas (ou provocadas) e que bulem com vários setores, da baliza ao avançado- -centro.
A indefinição sobre o futuro de Jonas também não deixa que a visão penetre para lá de um nevoeiro que a saída do melhor jogador da equipa nos últimos quatro anos não deixará de provocar. A maneira como o brasileiro, a despeito das suas maiores ou menores ausências por questões de ordem física, se tornou fundamental para tudo o que o Benfica fez de melhor durante este período não pode deixar de erguer alguns castelos de nuvens escuras para lá do horizonte deste início de temporada. E há mais: Jonas não tem sido somente o esteio qualitativo do grupo. É uma espécie de garantia, de voto de confiança, de segurança para companheiros e adeptos. Dele se espera, aqui e além, aquele sonho do erguer de asa que faça mais rubra a brasa da lareira a abandonar, como dizia Fernando Pessoa sobre os tristes que vivem em casa sem coragem para abandonar o conforto das suas vidas-vidinhas, tementes daquilo que o mundo terá para lhes exigir.
O escolho A partir do momento em que falhou a conquista do tão apregoado penta, o Benfica colocou-se na difícil posição de se ver perante quatro jogos de indiscutível dureza num momento em que eles seriam evitáveis. Não vale a pena olhar para trás, as coisas são como são, há, isso sim, que cerrar os dentes para não perder o comboio no qual viajam aqueles que exibem na lapela o direito de se instalarem na primeira classe da Europa. Não há maneira de fazer esperar o céu. “And all I got is time until the end of time/ I won’t look back/ I won’t look back/ Let the altars shine…”
Dois lugares estão em aberto para os que disputam aquilo que a UEFA designa por Caminho da Liga (para fazer a distinção entre o Caminho dos Campeões, percorrido paralelamente pelos vencedores dos campeonatos dos países mais abaixo no ranking): Standard Liège-Ajax; Slávia de Praga-Dínamo de Kiev e PAOK Salónica-Spartak de Moscovo são os outros jogos que definirão o adversário do Benfica no caso de eliminação do Fenerbahçe. Enquanto não surge um campeonato europeu de elite, reservado às melhores equipas dos campeonatos mais fortes e mais ricos do continente – algo que parece vir a fazer cada vez mais sentido se olharmos para os nomes que se classificam diretamente para a fase de grupos –, os dirigentes do organismo que governa o futebol da Europa vão criando dificuldades acrescidas aos clubes provenientes de países marginais como é, indiscutivelmente, o nosso. Por um lado, há que reconhecer que os resultados dos portugueses neste carrossel- -dos-grandes tem sido bastamente insatisfatório para que nos sintamos injustamente postos de parte. Um campeonato medíocre, reduzido cada vez mais à ditadura de dois clubes (mais dois), no qual em cada fim de semana (mais segundas e sextas-feiras e por aí fora) metade das jornadas estão entregues a uma pasmaceira confrangedora que leva aos estádios meia dúzia de gatos-pingados, já devia ter sido alvo de estudos preocupados. Mas não é isso que vemos, pelo contrário: uma incapacidade atroz por parte da Liga de tornar a maior competição do futebol português num daqueles lugares onde apetece viver.
E, assim, não há motivos de espanto para as situações que vamos vivendo. Esta do Benfica é apenas o resultado de anos de incúria. Porque já estão instalados no poleiro dos milhões clubes como o CSKA de Moscovo, o Lokomotiv de Moscovo, o Valência, o Hoffenheim, o Brugge ou o Viktoria Plzen, sem necessidade de se andaram a esfalfar nas noites escaldantes de agosto em batalhas de tirar o fôlego.
Lá está: não vale mesmo a pena olhar para trás. Cabe aos jogadores que levam ao peito a águia real lutarem pelo regresso à Europa dos grandes. “I got a taste of paradise/ That’s all I really need to make me stay/ I got a taste of paradise”. Esse provar do paraíso que provoca a ânsia de mais e mais. Mesmo que, na época passada, o céu se tenha transformado no inferno de um pesadelo muito doloroso. Por isso, o Benfica joga mais do que uma eliminatória. Joga o seu nome centenário, as suas vitórias internacionais, a memória dos inesquecíveis momentos em que tocou as estrelas.