Luís, o arguido, está cabisbaixo. E, com os olhos assim caídos e pregados ao chão, provavelmente nem terá reparado no desfile de objetos coloridos que estão a sair da mala da juíza. Primeiro, um estojo – que, na verdade, mais parece um nécessaire – às flores. Depois, e quase a fazer pandã, uma agenda igualmente florida e primaveril. Já os olhos de Luís, prestes a ser julgado, têm pouco de primavera, ainda que ameacem tornar-se abril, vertendo águas mil. Afinal, os homens também choram. E choram ainda mais se se encontrarem à beira do precipício da justiça.
À primeira vista, não é caso para tanta angústia: o arguido foi apanhado a conduzir sem carta, às 5h20 da manhã, na zona de Benfica, em Lisboa. Tratando-se de um julgamento sumário normal, Luís sairá da sala de audiências com uma pena de multa e, na pior das hipóteses, com a condenação acessória de um sermão bem dado. Mas há qualquer coisa mais que aflige o arguido. Uma inquietação tamanha que lhe faz dos olhos dois diques gigantes a ameaçarem rebentar a qualquer instante.
“O que é que o senhor arguido faz?”, pergunta-lhe a juíza.
“Neste momento estou a trabalhar, mas não é profissão. É com cavalos e também estou numa obra com o tio do meu amigo”, tenta explicar Luís, claramente em esforço para não desatar a chorar. Conta como só recebe 300 euros por mês, que tem um filho com nove anos e que vive em casa da namorada. Depois decide confessar o crime, a culpa, a lacrimejar: é verdade que estava a conduzir sem carta quando a polícia o abordou. “Mas estou muito arrependido”, jura. E esta é a deixa perfeita para que o procurador do Ministério Público possa dar a primeira machadada ao arguido: “Já se arrependeu muitas outras vezes, a avaliar pelo seu registo criminal.” Luís, a transpirar tristeza, volta a pregar os olhos no chão.
Mas a advogada de defesa não se dá por vencida e enumera uma longa lista de razões pelas quais deve haver compreensão para com o delito do cliente. Primeiro, confessou. Segundo, está a tirar a carta. Terceiro, sabe conduzir na perfeição. Quarto, estava a guiar de madrugada, numa hora a que não havia trânsito. Quinto, não pôs ninguém em perigo e os agentes da PSP só o abordaram por o terem visto parado num sítio suspeito. Sexto, tem uma filha menor e precisa de lhe dar de comer.
A estes argumentos somam-se os do próprio Luís que, chamado a defender-se, se esvai finalmente em lágrimas. Entre soluços, multiplica os pedidos de desculpa ao tribunal e faz mil juramentos de escuteiro. “Queria pedir desculpa à senhora juíza por ter cometido, mais uma vez, o mesmo crime. É a última vez. Não vou pegar em carro nenhum nunca mais”, promete, a fungar e a soluçar. “A minha vida não está muito bem, estou a chegar aos 30 anos e só agora começo a ver as coisas mais claras”, continua, ao mesmo tempo que as comportas dos dois olhos-dique castanhos rebentam por completo.
Mas as lágrimas não demovem a juíza, qual Supernanny, de dar seguimento à aplicação da primeira parte da pena: o sermão épico. “O tribunal vai acreditar que é mesmo a última vez. É mesmo a última oportunidade, senhor arguido. Porque, senhor arguido, este crime dá pena de prisão até dois anos. E, senhor arguido, o tribunal apela à sua capacidade de perceber a dimensão do seu registo criminal.” Logo a seguir chega o duro momento do banquinho do castigo que tanto chocou os telespetadores portugueses: “É de sua vontade que o seu filho o vá visitar à prisão?” Luís estremece e levanta os olhos, novamente pregados ao chão: “Não, não, não. Isso não quero, não.”
“Então, quando tiver a mais pálida ideia de pegar num carro, lembre-se dessa imagem do seu filho a visitá-lo na cadeia”, devolve-lhe a juíza, antes de o condenar a uma multa de mil euros, fora as custas do processo. “Se não puder pagar, pode ir fazer trabalho comunitário para os bombeiros, para a junta ou numa associação cultural”, sugere a ainda juíza-pedagoga, antes de deixar os últimos avisos: “Isto é mesmo para cumprir, senão vai para a cadeia. Veja lá o que lhe digo: se o apanho cá amanhã outra vez, estamos mal.” Luís suspira de alívio. Agradece sem parar e lá acaba por confessar a razão de tanto choro e perturbação: “Eu julguei que ia preso hoje, senhora juíza.”