Crónica sobre impostores e o triunfo do mercado


A ideia dos neomarxistas de que o socialismo real falhou porque foi mal implementado, não deixa aqui qualquer dúvida, atenta a actual práxis, de que falamos de mais do mesmo e nada de novo


Neste momento são muitas, e algumas muito boas, as análises à perfeita abjecção política, moral e ética que resulta da diferença entre o discurso do ex-vereador Ricardo Robles (o político das ocupações selvagens, da defesa dos inquilinos, do combate à gentrificação e o opositor mais ferrenho à especulação imobiliária) e aquilo que, na sua prática diária, o investidor Ricardo Robles, e não só, faz.

Interessa pouco entrar hoje na análise que já muitos fizeram sobre as justificações dadas e os factos que, acrescente-se, apenas são do domínio da imbecilidade. 

Há algumas poucas semanas, alguém, usando da costumada auto-assumida (e entretanto muito desmentida por aquelas bandas) superioridade ética e moral, perorava acerca de uma intervenção que tive e decidiu que a mesma seria, à luz da sua importante moralidade, para ser julgada no domínio da vergonha alheia.

Pois bem, como dizem os americanos, “karma is a bitch”, e cá estamos nós em posição de ajustar rapidíssimas contas com a moral de pacotilha das paladinas da ética republicana, ou revolucionária, ou bolivariana, ou lá o que isso é. 

Como é evidente, um e o outro caso não se comparam e, aliás, será improvável que do lado de cá da barricada (se é que há um) da discussão sobre o esclavagismo nos Descobrimentos venham a encontrar-se pessoas – das que não desejam enfileirar de forma acrítica e ideológica numa questão que transcende a simplicidade mediática das agitadoras ao serviço das agendas fracturantes – com senzalas de escravos na subcave ou no jardim.

Como não seria também – ou se calhar, pela amostra junta, seria, e muito – provável que um partido da extrema-esquerda de matriz trotskista e dedo muito acusador, que é contra o capital, a Europa, a propriedade privada, a acumulação de riqueza, o lucro e o mercado, pudesse de alguma forma ter o seu paladino e mais dilecto delfim da luta contra o mercado do turismo e da especulação imobiliária como, afinal, a imagem e o exemplo acabado do empreendedor especulador e um peão hábil no tabuleiro do mercado.

Quem tenha presente um pouco só da substância dos discursos inflamados de Robles, dos ataques sem quartel e ad hominem que distribuiu por todos, do alto da tal superioridade moral e ética que o Bloco sempre assume, não pode deixar de deliciar-se com a ironia disto tudo, mas também não poderá certamente deixar de sentir um asco profundo pelo desvalor intrínseco, não de uma operação de mercado absolutamente legítima, mas da ausência absoluta de carácter, probidade e honra de quem quer proibir aos outros, por alegadas preocupações sociais e éticas, aquilo que, enquanto faz discursos inflamados contra, está a promover para si.

Robles não vendeu, é verdade, mas tentou vender! Robles não fez short term rental, é verdade, mas preparou um projecto, um financiamento bancário e fez obras que o tornaram, como anunciou, apto a fazê-lo! Robles não fez uma mais-valia milionária, também é verdade, mas bem que tentou! E a referida actuação multiplicou, em muito, o valor potencial do seu património, ou não? E mais, opondo-se, segundo diz, às privatizações, comprou um imóvel que era público, pertença da Segurança Social, e alavancou o projecto com dinheiro desses especuladores criminosos que são, para ele, os bancos.

 Alguns neoliberais e costumados especuladores teriam dificuldade em preparar um business case tão sólido, rápido e eficaz.

Temos, pois, que o que sai muito evidente desta vergonha é que, afinal de contas, o socialismo real do BE não é diferente de nenhum dos outros anteriores cujos “grandes líderes”, em algum momento por este amados, enchem as listas dos Panama papers, as secretarias das varas criminais e as contas na Suíça.

E que, afinal, aquela ideia dos neomarxistas de que o socialismo real falhou porque foi mal implementado, não deixa aqui qualquer dúvida, atenta a actual práxis, de que falamos de mais do mesmo e nada de novo. 

Quando era já por todos os lados evidente, notório e incontornável a roçar o escândalo que a actuação de Robles é em TUDO incompatível com as políticas que defendeu publicamente e os muitos ataques pessoais e genéricos que fez – note-se e realce-se que todas as pessoas, do senhorio arruinado pela perpetuação do congelamento das rendas que o Bloco agudizou ao pequeno empreendedor ou o administrador dos fundos imobiliários têm circunstâncias pessoais atendíveis -, numa manobra de spin mal conseguida, eticamente reprovável e desastrada veio, de forma inaceitavelmente desculpabilizante e branqueadora, com excepção, ao que parece, de dois membros, a direcção do BE em bloco apoiar e defender o indefensável socorrendo-se da estafada ideia do inimigo de fora, branqueando com argumentos do domínio da indigência intelectual a óbvia e confessada tentativa de especulação.

É difícil de conceber exercício mais cínico, patético e desesperado do que este suicídio colectivo da direcção quase toda do BE ao apoiar Robles. Não é todos os dias que assistimos ao vivo e a cores à morte pública da alma de alguém. Ao defender Robles e ao tentar branqueá-lo, Catarina, Joana e companhia aceitaram todas as muitas actuações que dizem combater e, tal como a virgindade, como já alguém salientou, esta é uma virtude que o Bloco já não pode recuperar. Esta direcção do Bloco prostituiu-se e vendeu a ética à impossível (como se viu) sobrevivência política de Robles. O grande moralista tornou-se igual aos outros todos, chegou ao fim dos dias da inocência. 

Infelizmente, porém, tal não se afigura como a assunção colectiva e institucional de uma posição pró-mercado que é, ao que parece, aquela que o Bloco nega aos seus seguidores enquanto doutrinador das massas, mas cujos dirigentes, afinal, praticam pessoalmente em privado e, a avaliar pelo caso concreto, eficazmente e bem.

Veja-se Catarina Martins, que sendo mais uma putativa inimiga do mercado e uma doutrinadora contra os seus perigos e iniquidades, veio entretanto a descobrir-se ser sócia de uma sociedade de capital, curiosamente ligada ao negócio do short term rental, que quer proibir ou limitar às outras sociedades fora da sua geografia de interesses; é contra a Europa, mas concorreu aos fundos comunitários, que outros não terão, para fazer obras na propriedade privada (que também abominará) para prosseguir os seus fins lucrativos.

Nada demais – para além de professar uma “religião” para os outros que na prática não usa para si – fez Catarina Martins ou, nesta perspectiva, Robles. Da minha parte, aliás, tudo farei para que todos possam fazer também aquilo que Catarina faz e nada do que Catarina diz.

Por último, esqueçamos por um segundo a mancha indelével que marca para sempre os paladinos da moral do BE e celebremos as rendições individuais, mesmo que episódicas, às regras da economia de mercado. 

Como escreveu Clemenceau, “um homem que não seja socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja socialista aos 40 não tem cabeça”. Ainda há tempo e esperança… 

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt 

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Crónica sobre impostores e o triunfo do mercado


A ideia dos neomarxistas de que o socialismo real falhou porque foi mal implementado, não deixa aqui qualquer dúvida, atenta a actual práxis, de que falamos de mais do mesmo e nada de novo


Neste momento são muitas, e algumas muito boas, as análises à perfeita abjecção política, moral e ética que resulta da diferença entre o discurso do ex-vereador Ricardo Robles (o político das ocupações selvagens, da defesa dos inquilinos, do combate à gentrificação e o opositor mais ferrenho à especulação imobiliária) e aquilo que, na sua prática diária, o investidor Ricardo Robles, e não só, faz.

Interessa pouco entrar hoje na análise que já muitos fizeram sobre as justificações dadas e os factos que, acrescente-se, apenas são do domínio da imbecilidade. 

Há algumas poucas semanas, alguém, usando da costumada auto-assumida (e entretanto muito desmentida por aquelas bandas) superioridade ética e moral, perorava acerca de uma intervenção que tive e decidiu que a mesma seria, à luz da sua importante moralidade, para ser julgada no domínio da vergonha alheia.

Pois bem, como dizem os americanos, “karma is a bitch”, e cá estamos nós em posição de ajustar rapidíssimas contas com a moral de pacotilha das paladinas da ética republicana, ou revolucionária, ou bolivariana, ou lá o que isso é. 

Como é evidente, um e o outro caso não se comparam e, aliás, será improvável que do lado de cá da barricada (se é que há um) da discussão sobre o esclavagismo nos Descobrimentos venham a encontrar-se pessoas – das que não desejam enfileirar de forma acrítica e ideológica numa questão que transcende a simplicidade mediática das agitadoras ao serviço das agendas fracturantes – com senzalas de escravos na subcave ou no jardim.

Como não seria também – ou se calhar, pela amostra junta, seria, e muito – provável que um partido da extrema-esquerda de matriz trotskista e dedo muito acusador, que é contra o capital, a Europa, a propriedade privada, a acumulação de riqueza, o lucro e o mercado, pudesse de alguma forma ter o seu paladino e mais dilecto delfim da luta contra o mercado do turismo e da especulação imobiliária como, afinal, a imagem e o exemplo acabado do empreendedor especulador e um peão hábil no tabuleiro do mercado.

Quem tenha presente um pouco só da substância dos discursos inflamados de Robles, dos ataques sem quartel e ad hominem que distribuiu por todos, do alto da tal superioridade moral e ética que o Bloco sempre assume, não pode deixar de deliciar-se com a ironia disto tudo, mas também não poderá certamente deixar de sentir um asco profundo pelo desvalor intrínseco, não de uma operação de mercado absolutamente legítima, mas da ausência absoluta de carácter, probidade e honra de quem quer proibir aos outros, por alegadas preocupações sociais e éticas, aquilo que, enquanto faz discursos inflamados contra, está a promover para si.

Robles não vendeu, é verdade, mas tentou vender! Robles não fez short term rental, é verdade, mas preparou um projecto, um financiamento bancário e fez obras que o tornaram, como anunciou, apto a fazê-lo! Robles não fez uma mais-valia milionária, também é verdade, mas bem que tentou! E a referida actuação multiplicou, em muito, o valor potencial do seu património, ou não? E mais, opondo-se, segundo diz, às privatizações, comprou um imóvel que era público, pertença da Segurança Social, e alavancou o projecto com dinheiro desses especuladores criminosos que são, para ele, os bancos.

 Alguns neoliberais e costumados especuladores teriam dificuldade em preparar um business case tão sólido, rápido e eficaz.

Temos, pois, que o que sai muito evidente desta vergonha é que, afinal de contas, o socialismo real do BE não é diferente de nenhum dos outros anteriores cujos “grandes líderes”, em algum momento por este amados, enchem as listas dos Panama papers, as secretarias das varas criminais e as contas na Suíça.

E que, afinal, aquela ideia dos neomarxistas de que o socialismo real falhou porque foi mal implementado, não deixa aqui qualquer dúvida, atenta a actual práxis, de que falamos de mais do mesmo e nada de novo. 

Quando era já por todos os lados evidente, notório e incontornável a roçar o escândalo que a actuação de Robles é em TUDO incompatível com as políticas que defendeu publicamente e os muitos ataques pessoais e genéricos que fez – note-se e realce-se que todas as pessoas, do senhorio arruinado pela perpetuação do congelamento das rendas que o Bloco agudizou ao pequeno empreendedor ou o administrador dos fundos imobiliários têm circunstâncias pessoais atendíveis -, numa manobra de spin mal conseguida, eticamente reprovável e desastrada veio, de forma inaceitavelmente desculpabilizante e branqueadora, com excepção, ao que parece, de dois membros, a direcção do BE em bloco apoiar e defender o indefensável socorrendo-se da estafada ideia do inimigo de fora, branqueando com argumentos do domínio da indigência intelectual a óbvia e confessada tentativa de especulação.

É difícil de conceber exercício mais cínico, patético e desesperado do que este suicídio colectivo da direcção quase toda do BE ao apoiar Robles. Não é todos os dias que assistimos ao vivo e a cores à morte pública da alma de alguém. Ao defender Robles e ao tentar branqueá-lo, Catarina, Joana e companhia aceitaram todas as muitas actuações que dizem combater e, tal como a virgindade, como já alguém salientou, esta é uma virtude que o Bloco já não pode recuperar. Esta direcção do Bloco prostituiu-se e vendeu a ética à impossível (como se viu) sobrevivência política de Robles. O grande moralista tornou-se igual aos outros todos, chegou ao fim dos dias da inocência. 

Infelizmente, porém, tal não se afigura como a assunção colectiva e institucional de uma posição pró-mercado que é, ao que parece, aquela que o Bloco nega aos seus seguidores enquanto doutrinador das massas, mas cujos dirigentes, afinal, praticam pessoalmente em privado e, a avaliar pelo caso concreto, eficazmente e bem.

Veja-se Catarina Martins, que sendo mais uma putativa inimiga do mercado e uma doutrinadora contra os seus perigos e iniquidades, veio entretanto a descobrir-se ser sócia de uma sociedade de capital, curiosamente ligada ao negócio do short term rental, que quer proibir ou limitar às outras sociedades fora da sua geografia de interesses; é contra a Europa, mas concorreu aos fundos comunitários, que outros não terão, para fazer obras na propriedade privada (que também abominará) para prosseguir os seus fins lucrativos.

Nada demais – para além de professar uma “religião” para os outros que na prática não usa para si – fez Catarina Martins ou, nesta perspectiva, Robles. Da minha parte, aliás, tudo farei para que todos possam fazer também aquilo que Catarina faz e nada do que Catarina diz.

Por último, esqueçamos por um segundo a mancha indelével que marca para sempre os paladinos da moral do BE e celebremos as rendições individuais, mesmo que episódicas, às regras da economia de mercado. 

Como escreveu Clemenceau, “um homem que não seja socialista aos 20 anos não tem coração. Um homem que ainda seja socialista aos 40 não tem cabeça”. Ainda há tempo e esperança… 

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt 

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990