Robles. Bloco enfrenta furacão interno e a culpa é de um prédio em Alfama

Robles. Bloco enfrenta furacão interno e a culpa é de um prédio em Alfama


Líder do partido atravessou-se pelo autarca que renunciou e oposição interna quer registo de  interesses dos dirigentes. Fernando Medina garante acordo PS/BE em Lisboa 


Ao fim de três dias de polémica, Ricardo Robles não resistiu à pressão e renunciou ao mandato de vereador na Câmara de Lisboa e da comissão política da concelhia da capital. A direção do Bloco de Esquerda tentou segurá-lo. O próprio autarca acreditou ter condições para continuar, mas mudou de ideias no domingo à noite e pediu para sair. A comissão política do BE reuniu de emergência – o segundo encontro em 72 horas – para discutir a sucessão do vereador e avaliar a estratégia. A compra de um prédio em Alfama por 347 mil euros, a sua reabilitação, e anúncio de venda por 5, 7 mil milhões de euros, ditou o fim do percurso do dirigente na maior autarquia do país.

Mas as consequências não devem ficar por aqui. Na primeira reunião para avaliar a confiança política a Robles, todos os elementos da direção votaram a favor da sua manutenção, exceto dois: Carlos Carujo e Samuel Cardoso, afetos à moção R dos bloquistas. 

Luís Fazenda votou pela manutenção do vereador do BE, mas dois dias depois assumia que havia um elefante na sala.  O partido teria de fazer “uma reflexão e tirar conclusões”, afirmou ao i, depois de tanta polémica sobre a intenção de venda do imóvel da família de Robles, que a concretizar-se teria permitido o encaixe de mais-valias no valor de quatro milhões de euros. Robles foi o rosto do partido no combate “à gentrificação” e à “especulação imobiliária”.

A nível interno, o movimento da moção R assume-se como oposição e apesar não terem uma representatividade expressiva, acabaram por evidenciar as divisões internas do BE, num momento que pode ter sido o “pior” para a coordenadora do partido, segundo o comentador Marques Mendes.

Num curto comunicado, Ricardo Robles anunciou a renúncia    porque “uma opção familiar” acabou por se tornar um problema político para o Bloco de Esquerda. Os bloquistas geriram a crise ao mais alto nível. Catarina Martins, líder do partido, fez a reação mais dura, usando expressões como “campanha de difamação”. Ou seja, emsaiou a tese da ‘cabala’, utilizada noutras ocasiões, por exemplo, pelo PS.

Catarina Martins acabou por ter de aceitar a renúncia de Robles e avaliar a sua sucessão: Rita Silva, dirigente da Habita e crítica feroz dos despejos, ou Manuel Grilo, assessor do grupo parlamentar do BE, membro do conselho nacional de educação e da Fenprof.

A reunião da comissão política decorria ontem ao fecho desta edição, e segundo apurou o i não era líquido que Rita Silva aceitasse suceder a Ricardo Robles, trabalhando lado a lado com os socialistas.

O PS já tinha, aliás, manifestado alguma apreensão perante a mudança no acordo camarário. Mas Fernando Medina, que se encontrava de férias quando a crise eclodiu, veio assegurar no Facebook dois dados importantes: primeiro, o Bloco garantiu-lhe que o acordo estará firme. O autarca de Lisboa acrescentou outra frase. “O acordo político celebrado depois das eleições autárquicas entre o PS e o Bloco de Esquerda, alicerçado num importante conjunto de matérias programáticas e políticas para a cidade (como o aumento da rede de creches, a melhoria das escolas e das refeições escolares, o reforço do apoio social, o acesso à habitação ou a promoção do transporte público) mantém-se inalterado”. 

Na oposição interna do BE, os dois bloquistas que votaram contra a manutenção da confiança política no autarca consideram que “não se pode reduzir estes factos a um ‘ataque da direita’ ou a ‘fake news’”. “Este caso volta a alertar-nos para a necessidade de transparência absoluta na política, e em particular num partido anti-capitalista, tal como reabre a discussão sobre como enfrentar os favorecimentos próprios de uma sociedade de classes. Reiteramos assim que o BE deve criar na internet um portal da transparência” para os dirigentes do partido, defenderam os desalinhados com a direção, Carlos Carujo e Samuel Cardoso.

PCP distancia-se do Bloco O PCP é parceiro do PS, tal como o BE, nos acordos à esquerda, mas distanciou-se do vereador e criticou-o de forma indireta.  

“Tenho esta tranquilidade imensa de continuar a fazer política da forma como aprendi: procurar resgatar o que de mais nobre tem a política, que é servir os interesses dos trabalhadores e do povo e não me servir a mim próprio”, avisou Jerónimo de Sousa, líder do PCP, a partir do Palácio de Belém. O vereador do PCP – sem pelouros na câmara de Lisboa -, João Ferreira, também sustentou na véspera da demissão de Robles que o preocupante é “a dinâmica de especulação em que a cidade está mergulhada”.

Entretanto, o PSD de Lisboa vai pedir o processo de licenciamento do prédio de Robles e da  irmã, porque “existem dúvidas”. O líder social-democrata classificou a renúncia do vereador de “sensata”.