Desde sempre, o Bloco de Esquerda tem–se caracterizado por uma atitude persecutória em relação aos senhorios, propondo no parlamento sucessivos diplomas atentatórios dos seus mais elementares direitos fundamentais. Essa atitude persecutória é sublimada por um discurso altamente radical, chegando muitas vezes a ser mesmo de puro ódio ideológico. Foi assim que Mariana Mortágua disse que era preciso o país perder a vergonha de ir buscar a quem estava a acumular, e que Ricardo Robles veio louvar as ocupações selvagens de 1975, fazendo sucessivos discursos contra a Lei Cristas, a especulação imobiliária, os despejos, o alojamento local e a gentrificação de Lisboa. O ódio ideológico à propriedade é de tal ordem que o Bloco chegou a organizar um acampamento de Verão onde proclamou que “a propriedade é um roubo”.
Ficou-se, no entanto, agora a saber que esse ódio ideológico do Bloco é apenas dirigido à propriedade dos outros, convivendo o Bloco pacificamente com a especulação imobiliária quando ela é praticada pelos seus próprios dirigentes. Porque o que o vereador Ricardo Robles fez foi inteiramente uma operação especulativa, no intuito de obter um lucro de curto prazo com a venda e a recuperação de um imóvel. Na verdade, Ricardo Robles e a irmã compraram à Segurança Social um imóvel ocupado com inquilinos. Depois recorreram à Lei Cristas para fazer denúncias para obras, tendo por essa via conseguido a saída dos inquilinos com excepção de um casal, que foi realojado no imóvel, ainda que apenas com um contrato de oito anos. A seguir, não só reabilitaram o imóvel como também o reconverteram integralmente para alojamento local, pois é manifesto que apartamentos entre 20 e 40 m2 não são idóneos para uma habitação familiar. E depois colocaram o imóvel à venda por 5,7 milhões de euros, o qual só não foi vendido porque ninguém ofereceu esse valor. Robles não se limitou a actuar de acordo com o mercado, quis mesmo especular acima dos valores de mercado.
É claro que o negócio em questão é absolutamente legítimo e até contribui para a reabilitação urbana de uma zona altamente degradada de Lisboa. O problema está em ter sido praticado por alguém que andou a demonizar esta prática. Com que legitimidade é que Ricardo Robles pode criticar o alojamento local quando reconverteu um imóvel para esta actividade? Como é que pode criticar os lucros do imobiliário quando pretendia obter um lucro colossal na venda de um imóvel que ninguém no mercado lhe deu? E como é que pode andar a criticar a Lei Cristas quando a ela recorreu para fazer denúncias para obras? Robles está hoje transformado no célebre Frei Tomás, do qual se dizia para fazer o que ele diz, não o que ele faz.
Se o assunto fosse restrito a Robles, já seria suficientemente grave. A questão é que o Bloco deu total cobertura à especulação imobiliária de Robles, demonstrando assim que não passa de um partido de hipócritas. Em lugar de coerentemente sustentar que era preciso ir buscar a Robles a riqueza que ele andou a acumular, Mariana Mortágua foi defender para um debate televisivo que tudo não passava de uma questão familiar. Como se os outros proprietários de imóveis não tivessem também famílias de quem cuidar em vez de andarem a sustentar à força os seus inquilinos, como o Bloco tem defendido, excepto para Robles.
Da mesma forma que Robles se colocou no mercado imobiliário, trocando as suas convicções por uma generosa mais-valia, o Bloco agora anda a especular no mercado eleitoral, mostrando-se incapaz de censurar os lucrativos negócios imobiliários do seu vereador, por receio de perder o único cargo governativo de relevo que possui no país. Mas o preço a pagar por isto é caro pois, de futuro, mais ninguém atribuirá qualquer credibilidade às propostas radicais do Bloco que, afinal, só as defende para os outros, não para os seus. Assim, enquanto Robles conseguiu ao menos ganhar dinheiro com o seu imóvel, a especulação do Bloco arrisca-se a colocar este partido à venda a preço de saldo. O que, diga-se de passagem, é de elementar justiça. Depois de ter destilado tanto veneno na praça pública, é bom que o Bloco prove também do seu próprio remédio.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990