Mais-valias do Bloco de Esquerda


Quando assistimos a Mariana Mortágua a tentar defender o indefensável, porque nem sequer há lugar para acusação sobre a decisão de compra e venda de Ricardo Robles, sentimos que para algumas pessoas há dois pesos e duas medidas


Ricardo Robles (RR), 41 anos, nascido em Almada, engenheiro civil, especialista em reabilitação e eficiência energética, comprou um prédio, em Alfama, pelo valor de 350 mil euros. Para reabilitar o prédio de três andares, situado no centro histórico da capital, investiu cerca de 650 mil euros que, somados ao valor da compra, totalizam um investimento de cerca de um milhão de euros. Passados quase quatro anos, o coproprietário e a sua irmã resolveram colocar o imóvel à venda e contactaram uma imobiliária para intermediar o negócio. A imobiliária terá fixado o valor do imóvel em 5,7 milhões de euros, atendendo ao valor de mercado praticado naquela zona e em prédios com características semelhantes ao prédio em carteira, e sem qualquer interferência dos proprietários no valor a pedir pelo imóvel. A venda do prédio não se concretizou porque, no tempo em que esteve disponível no mercado, não terão surgido propostas que se aproximassem do valor fixado. Se a venda tivesse ocorrido, a mais-valia seria de 4,7 milhões de euros.

Até aqui, nada de novo. No entanto, esta não notícia tornou-se manchete de jornais, abriu telejornais das oito e, nas redes sociais, não se consegue fugir ao tema, à discussão ou à simples crítica maldizente que vem devidamente acompanhada de ilustrações jocosas e apelativas, para que ninguém chegue ao dia de amanhã e ainda não tenha conhecimento do que aconteceu ao RR e ao seu prédio em Alfama.

RR convocou uma conferência de imprensa para esclarecer a operação em que esteve envolvido. Falou da irmã, da vida da irmã, de si, das razões que o levaram a vender o prédio, não tanto das razões pela quais, em abril deste ano, o retirou do mercado, e até apresentou razões para ter decidido pela compra e detalhou todo o processo de compra. Uma transparência irrepreensível, mas que deveria incomodar qualquer cidadão que se encontrasse na mesma situação. Ao invés, os leitores e espetadores devem ter aumentado, sempre na esperança de encontrarem nesta telenovela um compadrio com tentáculos ramificados a outros interesses e esferas de influência. Até agora, nada disso. O último desenvolvimento vem relatar que, afinal, o proprietário do estabelecimento comercial que empregava quatro funcionários e que ocupava o rés-do-chão e um primeiro andar foi alvo de uma ação de despejo em 2016 e que o processo de indemnização decorre em tribunal. Tudo muito comum e frequente. Faz parte do nosso quadro jurídico e da nossa economia de mercado.

O singular de toda esta situação é a arrogância dos autodenominados impolutos. Quando assistimos a Mariana Mortágua a tentar defender o indefensável, porque nem sequer há lugar para acusação sobre a decisão de compra e venda de RR, sentimos que para algumas pessoas há dois pesos e duas medidas ou, pior, que frequentemente tomam iniciativas políticas e legislativas sem entender o seu alcance, vendo-se eles próprios enredados nas suas negações. 

Quanto muito, podemos acusar RR de ser vítima do seu discurso de superioridade moral e de soberba, e até, quem sabe, de alguma incoerência entre a sua vida pessoal e o que apregoa no espaço público. Houve até quem pedisse a sua demissão de vereador na Câmara Municipal de Lisboa, considerando esta discrepância. Exagerado, a meu ver. Nas próximas eleições autárquicas, os lisboetas irão recordar esta história e, nessa altura, farão o seu juízo quando escutarem o BE a censurar a especulação imobiliária e a lei do arrendamento.

Uma palavra para o RR: não há motivos para que se perca tempo em explicações circunstanciais, justificando a decisão relativamente ao património pessoal, porque ninguém ouve ou quer saber. O que é relevante para os que noticiaram a venda é a moralidade e a ética, nada mais. A questão da legalidade, da licitude ou da legitimidade nem se coloca. 

Recordo o dia 17 de novembro de 2015, na Assembleia Municipal de Lisboa, em que ouvi RR dizer, alto e com bom som: “Orgulhamo-nos [BE] das ocupações e das nacionalizações.” E agora, que é proprietário? 

Escreve quinzenalmente


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Quando assistimos a Mariana Mortágua a tentar defender o indefensável, porque nem sequer há lugar para acusação sobre a decisão de compra e venda de Ricardo Robles, sentimos que para algumas pessoas há dois pesos e duas medidas


Ricardo Robles (RR), 41 anos, nascido em Almada, engenheiro civil, especialista em reabilitação e eficiência energética, comprou um prédio, em Alfama, pelo valor de 350 mil euros. Para reabilitar o prédio de três andares, situado no centro histórico da capital, investiu cerca de 650 mil euros que, somados ao valor da compra, totalizam um investimento de cerca de um milhão de euros. Passados quase quatro anos, o coproprietário e a sua irmã resolveram colocar o imóvel à venda e contactaram uma imobiliária para intermediar o negócio. A imobiliária terá fixado o valor do imóvel em 5,7 milhões de euros, atendendo ao valor de mercado praticado naquela zona e em prédios com características semelhantes ao prédio em carteira, e sem qualquer interferência dos proprietários no valor a pedir pelo imóvel. A venda do prédio não se concretizou porque, no tempo em que esteve disponível no mercado, não terão surgido propostas que se aproximassem do valor fixado. Se a venda tivesse ocorrido, a mais-valia seria de 4,7 milhões de euros.

Até aqui, nada de novo. No entanto, esta não notícia tornou-se manchete de jornais, abriu telejornais das oito e, nas redes sociais, não se consegue fugir ao tema, à discussão ou à simples crítica maldizente que vem devidamente acompanhada de ilustrações jocosas e apelativas, para que ninguém chegue ao dia de amanhã e ainda não tenha conhecimento do que aconteceu ao RR e ao seu prédio em Alfama.

RR convocou uma conferência de imprensa para esclarecer a operação em que esteve envolvido. Falou da irmã, da vida da irmã, de si, das razões que o levaram a vender o prédio, não tanto das razões pela quais, em abril deste ano, o retirou do mercado, e até apresentou razões para ter decidido pela compra e detalhou todo o processo de compra. Uma transparência irrepreensível, mas que deveria incomodar qualquer cidadão que se encontrasse na mesma situação. Ao invés, os leitores e espetadores devem ter aumentado, sempre na esperança de encontrarem nesta telenovela um compadrio com tentáculos ramificados a outros interesses e esferas de influência. Até agora, nada disso. O último desenvolvimento vem relatar que, afinal, o proprietário do estabelecimento comercial que empregava quatro funcionários e que ocupava o rés-do-chão e um primeiro andar foi alvo de uma ação de despejo em 2016 e que o processo de indemnização decorre em tribunal. Tudo muito comum e frequente. Faz parte do nosso quadro jurídico e da nossa economia de mercado.

O singular de toda esta situação é a arrogância dos autodenominados impolutos. Quando assistimos a Mariana Mortágua a tentar defender o indefensável, porque nem sequer há lugar para acusação sobre a decisão de compra e venda de RR, sentimos que para algumas pessoas há dois pesos e duas medidas ou, pior, que frequentemente tomam iniciativas políticas e legislativas sem entender o seu alcance, vendo-se eles próprios enredados nas suas negações. 

Quanto muito, podemos acusar RR de ser vítima do seu discurso de superioridade moral e de soberba, e até, quem sabe, de alguma incoerência entre a sua vida pessoal e o que apregoa no espaço público. Houve até quem pedisse a sua demissão de vereador na Câmara Municipal de Lisboa, considerando esta discrepância. Exagerado, a meu ver. Nas próximas eleições autárquicas, os lisboetas irão recordar esta história e, nessa altura, farão o seu juízo quando escutarem o BE a censurar a especulação imobiliária e a lei do arrendamento.

Uma palavra para o RR: não há motivos para que se perca tempo em explicações circunstanciais, justificando a decisão relativamente ao património pessoal, porque ninguém ouve ou quer saber. O que é relevante para os que noticiaram a venda é a moralidade e a ética, nada mais. A questão da legalidade, da licitude ou da legitimidade nem se coloca. 

Recordo o dia 17 de novembro de 2015, na Assembleia Municipal de Lisboa, em que ouvi RR dizer, alto e com bom som: “Orgulhamo-nos [BE] das ocupações e das nacionalizações.” E agora, que é proprietário? 

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