Não passava de um simples pacote de leite quando chegou à empresa de reciclagem. Pouco se esperava dele – o mais provável era que voltasse a ser uma embalagem como tantas outras, guardada no fundo de uma prateleira de supermercado. Mas a ambição leva o homem a ir mais além e o pacote de leite a chegar mais longe também: o seu destino já não tem de ser uma palete. Agora, também pode ambicionar ser, por exemplo, uma mesa de piquenique.
E isso é já uma realidade: sentemo-nos, então, na mesa que outrora foi um pacote de leite – ou, na verdade, 16 toneladas de pacotes -, no meio do Bosque Encantado, uma zona do Jardim Zoológico de Lisboa, para percebermos como tudo isto acontece.
O processo O plástico chega à empresa de reciclagem Extruplás em “fardos” – nome dado às embalagens prensadas – e, no meio de toneladas, ainda é possível distinguir algumas embalagens de produtos alimentares: um boião de maionese ou o nosso pacote de leite, por exemplo. Ao entrarem para a linha de reciclagem, os objetos são selecionados num processo de triagem que tem como principal objetivo encontrar possíveis intrusos – os “contaminantes”. “No material que recebemos, apesar de já estar triado, por vezes ainda pode haver alguns contaminantes, nomeadamente madeira e papel”, disse Sandra Castro, diretora-geral da Extruplás, ao i. Em média, entre 3 e 4% do material que chega à recicladora é “contaminante”.
Depois deste processo de separação, o plástico é triturado para entrar nas máquinas de extrusão, onde “é derretido e injetado para dentro de um molde que tem a forma da peça” a ser produzida. Pelo armazém onde decorre o processo veem-se os vários barrotes e perfis já feitos à espera da transformação final – fase em que o plástico irá assumir a forma de um novo objeto.
Entretanto, um estrondo chama a atenção: a máquina acabou de produzir um novo perfil e um funcionário dirige-se ao aparelho para o retirar e colocar junto dos outros. Depois de o material pastoso ser injetado no molde que está inserido numa rotativa, a máquina gira de forma que o produto possa ficar debaixo de água, onde é arrefecido até solidificar. Por último, com um jato de ar, o material é libertado do molde e está pronto para ser transformado.
Do outro lado da sala, as serras elétricas e as perfuradoras vão marcando o passo. É a vez de cortar e montar o material à medida. Enquanto um trabalhador monta um banco de jardim preto, outro mede e corta o barrote de plástico. “A gama de produtos pode ser muito ampla, tem a ver um pouco com aquilo que o cliente pretende”, esclarece a diretora-geral. Entre os produtos que têm para venda estão mesas, carteiras escolares, cadeiras de praia, chapéus de sol, decks e passadiços. “O nosso cliente maioritário acaba por ser o cliente público: câmaras municipais, juntas de freguesia”, acrescenta, lembrando que, no entanto, “a procura por parte do cliente particular também tem aumentado.”
Este material à base de plástico é muito mais resistente ao sol e à chuva do que os objetos tradicionais de madeira. “A Extruplás existe há 18 anos e tem obras feitas desde essa altura. O material está tal e qual como estava na fase inicial”, garante Sandra Castro.
Reciclado, embalado e pronto a ir para o novo lugar Foi este o processo que deu origem às mesas e às casinhas de brincar do Jardim Zoológico de Lisboa. A zona do Bosque Encantado, onde diariamente decorre a apresentação das aves e dos répteis, é apadrinhada pela Sociedade Ponto Verde (SPV) que, com a colaboração da Extruplás, remodelou a zona de piqueniques que lá existia. “É um espaço muito importante porque, no fundo, estamos a dar o exemplo e a mostrar às pessoas que quando fazemos a separação dos resíduos, estes podem transformar-se noutros materiais”, explicou ao i Tiago Carrilho, biólogo marinho e responsável pelo Centro Pedagógico do Jardim Zoológico.
Estes objetos, de cor castanha, têm mesmo o feitio dos barrotes de madeira e, por vezes, deixam os visitantes do zoo incrédulos. “Temos de explicar que aquilo que estão a ver já foi, na verdade, um objeto de plástico, o que os deixa surpreendidos”, acrescenta.
Uma placa ajuda a entender o que realmente está no jardim: “O Bosque Encantado é feito com mais de 16 toneladas de embalagens recicladas que colocaste no ecoponto. O peso de dois elefantes”, o que equivale também a 150 mil pacotes de batatas fritas, 66 mil embalagens de champô ou 230 mil garrafas de plástico.
“O que nós quisemos mostrar é que qualquer pessoa que visite o Jardim Zoológico pode perceber as mais-valias da separação das embalagens”, esclarece Teresa Cortes, gestora de marketing e comunicação da Sociedade Ponto Verde (SPV). Para além da remodelação do parque de merendas, a parceria entre a SPV e o Jardim Zoológico permitiu ainda ter ecopontos espalhados por todo o espaço do zoo e promover atividade educativas para as crianças. “Se nós queremos educar e queremos que as pessoas tenham melhores práticas em relação ao ambiente, temos sempre de dar o exemplo”, remata Tiago Carrilho.
O papel das entidades gestoras Uma das principais funções da SPV é precisamente comunicar e incentivar a população a reciclar cada vez mais e melhor. “O nosso objetivo de cumprir metas passa por incentivar a uma maior adesão dos consumidores à separação das embalagens. Hoje em dia, já temos sete em cada dez lares a fazer separação das embalagens, mas é necessário que esses lares e as pessoas que os constituem separem cada vez mais e melhor”, disse Teresa Cortes ao i.
Para chegar mais perto dos jovens, a SPV tem vindo a marcar presença nos festivais de verão. No NOS Alive, a entidade gestora de embalagens é responsável pelo encaminhamento dos plásticos produzidos durante o festival para reciclagem, onde se transformam em mesas que são colocadas na zona de restauração, na edição seguinte. Este ano contavam-se já 86 mesas de plástico reciclado, fruto do lixo produzido nos anos anteriores.
Para além da comunicação, a SPV – a par com a Novo Verde e a Amb3e, que entraram no mercado da gestão de embalagens no decorrer do último ano – faz a gestão financeira do processo. “Depois de as embalagens estarem colocadas nos ecopontos ou nos sistemas porta-a-porta, os sistemas de gestão de resíduos urbanos – ou municipais, ou as entidades gestoras – passam a recolher esses mesmos equipamentos. É essa logística que a SPV financia, para garantir que o material é recolhido e depois triado e preparado para seguir para reciclagem. É o chamado valor-contrapartida”, acrescenta Teresa Cortes.
Esta contrapartida representa a maior fatia de investimento da SPV. Ou seja, com o pagamento da taxa Ponto Verde – obrigatória para todas as embalagens colocadas no mercado -, as entidades gestoras de embalagens financiam quer a recolha dos ecopontos aos municípios ou sistemas de gestão de resíduos, quer a triagem dos materiais. No final, os resíduos são vendidos em leilão.