Estrela inacabada. Ruínas do Sanatório do Grandella estão à venda

Estrela inacabada. Ruínas do Sanatório do Grandella estão à venda


Dono quer 800 mil euros pelo edifício do início do século XX situado no Cabeço de Montachique, em Loures, cuja construção nunca foi acabada. O negócio pode ter um “plus”: diz-se que há um tesouro enterrado sob as ruínas


Há quem lhes chame “palácio”, mas mais parecem uma espécie de fortaleza. As ruínas do Sanatório Albergaria, situado às portas de Lisboa, no Cabeço de Montachique, e mandado construir no início do século XX por Francisco Grandella – conhecido por ter construído os armazéns no Chiado – estão à venda. O dono, Inácio Roseiro, comprou-as há 12 anos, a meias com um amigo, mas só agora decidiram desfazer-se delas. A decisão foi tomada há pouco mais de dois meses e depois de resolvida uma “guerra” com a Câmara de Loures que durou uma década.

Quando Inácio Roseiro comprou o sanatório, cuja construção nunca chegou a ser terminada, tinha a intenção de ali fazer um lar de idosos. Acabou por mudar de ideias e pensou num centro de congressos. Só mais tarde surgiu o plano atual, que prevê a construção de um hotel. O projeto está feito, existe e respeita a traça e até a pedra do edifício desenhado em 1918 pelo arquiteto Rosendo Carvalheira. Só que o hotel nunca chegou a ver a luz do dia porque o Plano Diretor Municipal (PDM) não permitia a reconstrução. “Foi um período muito difícil”, confessa o proprietário, que comprou as ruínas na esperança de as poder recuperar. Entretanto, o PDM foi alterado e, desde há três anos, passou a ser possível reconstruir e adaptar o edifício para hotel ou outro tipo de negócio.

O problema, explica Inácio Roseiro, é que pelo meio passou uma década. “Tenho agora 72 anos e já não me sinto com forças para avançar com o projeto”, justifica. O imponente Sanatório Albergaria acabou, assim, e mais uma vez, sem ser construído. E com a venda anunciada de forma discreta através de um cartaz colocado na entrada principal das ruínas.

Nas últimas semanas, conta o proprietário, até têm chovido telefonemas. Mas todos de “curiosos”. Propostas concretas de negócio ainda não houve. As ruínas e o terreno à volta, com quase 17 mil metros quadrados, estão à venda por pouco mais de 800 mil euros. O mais difícil, acredita Inácio Roseiro, nem será encontrar quem possa pagar, mas sim quem se interesse por investir. “Não é qualquer investidor que tem interesse num edifício assim. Tem de ser um comprador muito específico, com uma visão especial sobre o lugar, as suas potencialidades e a história que encerra”, descreva. Até lá, as ruínas – que são o destino de muitas famílias nos típicos passeios de fim de semana – continuarão a ser “casa” de eventos. Inácio Roseiro tem emprestado o local para recriações históricas e outras iniciativas do género.

uma estrela com sete pontas O Sanatório Albergaria – era este o nome que Francisco de Almeida Grandella pretendia dar ao hospital que idealizou – começou a ser construído em 1919, mas não chegou a ser acabado. Na altura, a tuberculose atingia proporções epidémicas em toda Europa e Portugal não era exceção, de tal maneira que o Estado acabou por investir, em meados da década de 1940, numa rede de 11 sanatórios públicos espalhados pelo país e geridos pelo INAT – o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos.

Grandella, industrial, político e comerciante maçom – que inaugurou o conceito de venda por catálogo e criou, em 1891, a primeira grande superfície comercial em Portugal, os Armazéns Grandella, no Chiado – quis fundar um hospital nos arredores de Lisboa, numa zona desabitada: o Cabeço de Montachique, na fronteira entre Loures e Mafra. O “plano” foi congeminado no Restaurante Abadia, no Porto, onde se realizavam as secretíssimas reuniões do grupo maçónico, boémio e amigo de patuscadas “Os makavenkos”, fundado em 1884 por Grandella e outros contemporâneos de peso, como Miguel Bombarda. Rapidamente conseguiram um terreno de 3500 metros quadrados e o arquiteto Rosendo Carvalheira juntou-se à onda de solidariedade, oferecendo o projeto – imponente e assente numa grandiosa estrela de sete pontas, inspirada num dos graus da maçonaria e que representa o “mestre perfeito”. Além dos próprios contributos – os “Makavenkos” chegaram a ter cerca de uma centena de membros –, ainda decorreu a venda de rifas, a cinco cêntimos, para angariar dinheiro para que a obra se fizesse. Diz-se, aliás, que a verba obtida – “um tesouro” – estará enterrada sob as ruínas, dentro de um cofre.

O sanatório teria capacidade para 36 doentes e o projeto contemplava áreas de apoio, fornos crematórios, enfermarias de isolamento, grandiosos jardins. Havia ainda espaço para 14 moradias que serviriam para albergar doentes ricos. Rosendo Carvalheira foi a primeira baixa do grupo de mecenas e nem chegou a assistir ao lançamento da primeira pedra, em 1919. Faleceu antes disso. Entretanto, a zona de Montachique começou a ficar mais habitada, aumentando o risco de contágio, e começaram a aparecer outros sanatórios do género nos arredores de Lisboa. Todos acabariam, no entanto, por ter o mesmo fim a partir da década de 1960: o encerramento, porque a cura para a tuberculose começou a passar pelo tratamento em ambulatório. No caso do Sanatório Albergaria, as obras pararam pouco depois de começar, ainda em 1919 e por falta de verbas. Culpa da crise que o país atravessava, acabado de sair da I Guerra, e culpa do crash de Grandella, o principal acionista e que acabaria por falir. O edifício ficou inacabado até aos dias de hoje e Grandella acabou por morrer em 1943, na languidez da Foz do Arelho.