Crónica sobre “ainda me lembro do que fizeste no Verão Passado”


Pelas tais piores razões, e porventura hoje em dia até de forma injusta e infundada, os portugueses não esqueceram no seu subconsciente que – ainda as cinzas de Pedrógão fumegavam – o plano que o governo lhes apresentou foi nenhum!


Nesta semana é incontornável fazer-se referência ao tempo, ao Verão que não veio, ao mês de julho historicamente frio e à providência divina que este ano não nos deixou – até ver – a depender dos costumados ungidos do PS.

Mas é também, pelas piores razões, tempo de reflexões várias.

Olhar e perceber as desgraças que assolam a Europa à distância, traz-nos à memória a pesada recordação dos dias em que a Administração Interna, por cá, recusou o aumento das horas para uso de meios aéreos pedidos atempadamente e racionou o pedido de aumento de efectivos no terreno, quando já estavam mais que prometidas as tais extraordinárias condições que em Outubro – uns poucos de meses depois de Pedrógão e Góis – vieram varrer a fogo o país e o devastaram de Norte a Sul e muito especialmente as Beiras Litoral e Alta e o Minho.

Não pode deixar de recordar-se hoje olhando as notícias de 2018 – e perante o envio, absolutamente compreensível, louvável e justificado de aviões para a Suécia e bombeiros para a Grécia – a enorme violência, perfeitamente absurda e alheada da realidade de um país então em chamas, das palavras de quem hoje – repete-se que muito bem – enviou meios e gente para o estrangeiro mas que, à data, depois de recusar os mesmos meios por cá, apenas lhe aprouve falar na inevitabilidade dos fogos de Verão e na necessidade de sermos resilientes aos incêndios e de nos preparamos para defender os nossos bens e vidas, porque, não haverá um bombeiro para cada português que o país, seguramente, continuará a arder.

Saúda-se com alguma esperança, ainda que diminuta, a aparente inflexão que as políticas do governo demonstram relativamente aos incêndios, sobretudo e para já, os que ocorrem no estrangeiro.

Não será de mais recordar que a visão política sobre os fogos e sua prevenção e ataque custaram ao país, em 2017, mais de uma centena de vidas e milhões e milhões de euros de bens destruídos e outros muitos mais danos colaterais.

Deixando outras chagas profundas, menos visíveis a olho nu, e que não são só as famílias enlutadas, os bens queimados por reconstruir, os atrasos nas indemnizações ou as costumadas burlas e fraudes com os dinheiros das campanhas privadas ou os fundos públicos.

O desastre da Administração Interna em 2017 custou muito mais que isso – e não se sente que essa ferida de alguma forma esteja curada ou sequer perto disso.

Quem tenha visto as imagens recentes do incêndio na auto-estrada A12 e da fuga (apesar de tudo relativamente ordeira) dos automobilistas utentes, não pode deixar de perceber as sequelas muitíssimo graves e o efeito absolutamente devastador que a desorganização dos serviços e a intervenção do Estado, no Verão passado, deixaram nos cidadãos.

Num outro mundo e tempo, atento o histórico do nosso clima quase mediterrânico e da sua propensão para os incêndios de verão, nenhum português poria em prática manobras destas, numa estrada aberta ao trânsito por avistar fumo à sua frente, porque confiaria que o sistema funciona, que o SIRESP comunica, que a Protecção Civil é competente (e não uma extensão das concelhias do PS, pós 2015), e toda uma plêiade de assunções que, num país civilizado e estruturado, os cidadãos poderiam (normalmente) supor e presumir.

Pelas tais piores razões, e porventura hoje em dia até de forma injusta e infundada, os portugueses não esqueceram no seu subconsciente que – ainda as cinzas de Pedrógão fumegavam – o plano que o governo lhes apresentou foi nenhum! Decidiram suas excelências aguardar meses a fio, sem rumo e sem norte, por um relatório de sábios (ainda hoje apócrifo na sua divulgação) de onde, prometeram, sairiam todas as miríficas soluções para este problema.

Entretanto acontecem os incêndios de Outubro, o PR perde a paciência e agita o lodo e as mudanças, as tais medidas são conhecidas, e independentemente da sua eventual implementação – que se desconhece e não se percepciona – a verdade é que a confiança dos portugueses no sistema e nas mudanças está por repor e estes, bem, desconfiam que nada de relevante realmente mudou e entram, compreensivelmente, em pânico.

Note-se que do rol das tais medidas, a começar pela nova entidade de Protecção Civil, sabe-se pouco mais que nada sobre a sua criação e eventual funcionamento.

E mesmo das medidas efectivas de combate aos fogos, a única que se conheceu, com grande destaque mediático, foi a da ameaça das coimas a quem não limpe as extremas dos seus terrenos (a das pesadas coimas), medida esta que é, curiosamente, uma das medidas elencadas cuja utilidade e racionalidade, na fórmula adoptada, é pelo menos controversa.

Ou seja, passado o mês Junho e a caminho e Outubro de 2018, nada permite esquecer, consciente ou inconscientemente, o que fez (e não fez) este governo no Verão passado.

Os sinais estão por aí!

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990