Alqueva. 16 anos depois, mantém-se a barragem da discórdia

Alqueva. 16 anos depois, mantém-se a barragem da discórdia


São cada vez mais as opções de escolha para quem pretende ir passar férias ao Alentejo. Mas será que a diversidade tem atraído as pessoas? O i foi falar com quem lá mora e com turistas das principais aldeias da região do Alqueva


Os ponteiros não marcavam ainda o meio-dia de domingo e a areia estava vazia. Os dois nadadores-salvadores da Praia Fluvial de Mourão estavam por conta de duas famílias, uma de portugueses e outra de espanhóis. Estava tudo tão calmo que deu para a jovem nadadora-salvadora sair do posto de vigia, enquanto o colega, sentado numa cadeira, ficou a olhar fixamente para o areal.

David (nome fictício) ainda não se reabituou à vida do interior, que traz desafios diários para quem lá vive: o principal é a reduzida oferta de emprego, o que acaba por se refletir nas condições de vida. Ao i conta que já esteve a trabalhar em Faro – cidade que o deixou fascinado pela agitação – e recorda as muitas oportunidades que existiam por lá. Sobre a agitação do seu dia-a-dia pouco fala, limita-se a sorrir e a apontar para a barragem, quase deserta.

A falta de pessoas transmite um silêncio que muitos procuraram como refúgio às rotinas. Quem garante que por lá passam cada vez mais pessoas para aproveitar o que não encontram nas grandes cidades é Vítor Aranho, que controla a limpeza e segurança do Parque de Merendas de Mourão desde a sua abertura, há um ano. E explica mesmo que o dia não é todo assim: “Depois da hora de almoço não param de chegar carros com a matrícula espanhola, mas os portugueses também gostam de passar lá férias.”

A preferência de quem vem do país vizinho fica clara nas conversas da família espanhola que está no areal. O grupo de 15 pessoas veio de propósito de Badajoz, pela primeira vez, para conhecer a Barragem do Alqueva. Contam que atravessaram a fronteira porque outro familiar lhes falou do grande lago e ficaram muito satisfeitos com a tranquilidade e o espaço que as crianças têm para brincar.

Mesmo com um investimento nem sempre suficiente no turismo, o que não falta na região são opções para quem vem de fora. Os dados do Turismo de Portugal revelam que o alojamento local tem sido a principal aposta na região do Alqueva e que em 2018 já houve mais 25 alojamentos a serem registados nas várias aldeias à volta do Grande Lago do Alqueva.

Hotéis, casas de campo e hostels são procurados por pessoas de todo o mundo que pretendem encontrar “um lugar calmo e relaxante”, afirma Brites Pires, diretora do Monte da Estrela, situado na aldeia com o mesmo nome. Ainda que o processo de enchimento da barragem tenha ocorrido em 2002, desde o ano passado que se tem registado uma maior aposta no setor, com a construção de mais 29 unidades destinadas a turistas.

Atualmente, os distritos de Beja e Évora – que albergam a barragem – contam com 1068 locais onde se pode passar uns dias de férias. No entanto, apenas 96 (cerca de 9%) é que se encontram nas aldeias à volta do lago artificial.

E quando se fala em turismo, para Rui e Graça Faleiro, proprietários do restaurante Sabores da Estrela, chega--se obrigatoriamente a uma conclusão: “É necessário investir mais.”

Potencialidades existem e o principal problema que o casal vê na Aldeia da Estrela é mesmo o envelhecimento da população. Criticam que nos últimos tempos se tem investido demasiado em dormidas, mas pouco nas restantes vertentes do turismo. Rui chega mesmo a confessar que há zonas em “abandono total”.

A Aldeia da Luz é um exemplo disso. Em pleno dia, as ruas, empedradas, estão quase sem pessoas. O vazio e o silêncio repetem-se dia após dia. As casas simetricamente erigidas após a construção da barragem chamam a atenção, mas continuam sem convencer os habitantes, que se reúnem nos cafés da aldeia, saudosos da antiga. A verdadeira Aldeia da Luz foi submersa com a construção da barragem, tendo as novas habitações sido projetadas por Álvaro Siza Vieira.

Adelina Carrilho não esconde o profundo desagrado por estar na nova Luz. Entre lágrimas e suspiros, à porta de casa, lamentou que a sua antiga habitação tivesse sido destruída. Aos 61 anos, a habitante da Luz garante que, desde a mudança, nunca mais foi a mesma. Todas as memórias que tem são da antiga casa e mesmo quando à noite sonha com a sua casa é com a da aldeia antiga.

Uns metros mais à frente, José António, outro habitante da nova Aldeia da Luz, está na porta do único café aberto ao domingo. Afirma que só foi para lá por causa da mulher – nunca viveu na antiga aldeia – e diz não ver vantagens na construção da barragem para além da habitual pesca.

E assim as opiniões dividem-se, 16 anos depois do surgimento da barragem, na aldeia do Alqueva. 

Do lado dos turistas, tudo parece estar bem, como no grupo de franceses oriundos de Bordéus que às 13h40 do mesmo domingo descansam à sombra dos toldos das autocaravanas na aldeia do Alqueva. E até elogiam o facto de ali não terem problemas com estacionamento. Também um grupo de seis amigas que ali estão para uma despedida de solteira diferente, a fazer – stand up paddle – não têm nada a apontar ao lago artificial. 

Outros dois portugueses que parecem indiferentes às críticas são Fernando e Maria de Fátima Machado, que todos os anos aproveitam o calor do verão para andar por aí na sua caravana.

*Editado por Carlos Diogo Santos