ADSE. Limite de 24 consultas anuais tem impacto quase nulo para utentes

ADSE. Limite de 24 consultas anuais tem impacto quase nulo para utentes


A sustentabilidade da ADSE é uma das grandes preocupações de Eugénio Rosa. O economista diz mesmo que o subsistema de saúde está em risco se não for introduzida uma gestão rigorosa e responsável


Para Eugénio Rosa, mais grave que o limite de 24 consultas em médicos sem convenção para os beneficiários da ADSE é a sua sustentabilidade. Para o economista, este subsistema de saúde “não é sustentável com o atual paradigma a não ser que se aumentem as contribuições aos beneficiários ou se cortem os benefícios, ou então que o Orçamento do Estado financie”. 

Já em relação à nova medida de limitar consultas, que irá entrar em vigor em setembro, acredita que terá um impacto quase nulo. Eugénio Rosa lembra que, no ano passado, os beneficiários que recorreram a este regime beneficiaram em média de 2,47 consultas, ou seja, um número que fica muito aquém do valor que foi estipulado como limite. “Dos 224 160 beneficiários que utilizaram as consultas do regime livre, apenas 251 (0,1%) tiveram mais de 24 consultas. A média de consultas por beneficiário é de apenas 2,47 por ano, e o número mais frequente de situações foi apenas uma consulta por ano”, revela no seu estudo. 

Recorde-se que, neste regime, os beneficiários podem exercer o seu direito de livre escolha dos prestadores de cuidados de saúde, suportando inicialmente a totalidade dos encargos e solicitando posteriormente o reembolso à ADSE, o qual é atribuído de acordo com a tabela de preços e regras de regime livre em vigor. 

A escolha, no entender do membro do conselho diretivo da ADSE, acaba por prejudicar o utente. E dá exemplos: o preço da maioria das consultas nos hospitais privados, no âmbito do regime livre, varia entre 60 e 100 euros, com a ADSE a só comparticipar com 20,45 euros. Mas se um beneficiário utilizar o regime convencionado paga apenas 3,99 euros, sendo o restante (14,71 euros) pago pelo subsistema de saúde dos funcionários públicos. “O beneficiário paga muito mais no regime livre, sendo altamente prejudicado.” Ainda assim, Eugénio Rosa admite que os prestadores privados, nomeadamente os grupos privados com convenções com a ADSE, procuraram “empurrar” o beneficiário para o regime livre, já que o lucro é maior para o médico e para o hospital. “Muitas vezes dizem que o médico já não está na convenção ou que não têm médico, embora aquela especialidade conste da convenção assinada com a ADSE”, refere. 

A medida, por ter um impacto reduzido, recebe aplausos por parte dos sindicatos. José Abraão, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (SINTAP), lembra que é necessário travar algum despesismo. “Temos de ter em consideração a necessidade de criar as condições não só para o combate ao excesso e ao abuso, mas também ter em consideração a sustentabilidade da própria ADSE, fundamental para um milhão e 200 mil pessoas e para os aposentados e trabalhadores da administração pública”, explica.

O responsável lembra ainda que este limite poderá ser excedido desde que haja justificação médica e, nesse caso, poderá haver mais de 24 consultas por ano.

Também Fátima Amaral, dirigente da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, garante que não se trata de uma medida que vem “retirar direitos”, mas sim de “combate à fraude”.

“A grande maioria dos beneficiários da ADSE não utilizam 24 consultas por ano”, acrescentando ainda que não se trata de “uma medida cega, mas de uma medida que admite a possibilidade de exceções, naturalmente que com comprovação médica”. 

Sustentabilidade em causa Eugénio Rosa mostra-se também preocupado com a sustentabilidade deste subsistema de saúde e aponta como solução “uma gestão muito rigorosa, firme e responsável”. Esta aposta, no entender do economista, é fundamental para que a ADSE não se transforme “num seguro de saúde, com prémios que aumentam com a idade, com a expulsão daqueles que não dão lucro, ou então com o estabelecimento de plafonds, tal como sucede com as seguradoras, acima dos quais deixam de pagar as despesas com saúde aos beneficiários”.

 E as contas não são animadoras. As receitas de descontos têm vindo a estagnar desde 2015, altura em que a taxa passou de 1,5% para 3,5%. Nesse ano, o total de descontos para a ADSE nos primeiros seis meses fixou-se em 272,9 milhões de euros, passou para 276,7 milhões de euros em 2017 e para 277,4 milhões de euros no primeiro semestre do ano – ou seja, números bastantes inferiores quando comparados com as receitas: 307 milhões de euros no primeiro semestre do ano passado e 347 milhões de euros nos primeiros seis meses do ano. 

“É claro o aumento contínuo da despesa com a saúde, que é muito superior à subida verificada nas receitas dos descontos. Em 2017, com os últimos dados de que se dispõe, a despesa com saúde da ADSE deve ter aumentado entre 4% e 5% e a receita de descontos subiu apenas 0,5%. No primeiro semestre de 2018, a receita dos descontos, quando comparada com idêntico período de 2017, aumentou apenas 0,3%”, refere o membro do conselho diretivo da ADSE.

A verdade é que estes alertas não são novos. O conselho superior de supervisão tem vindo a alertar para a perda de sustentabilidade do subsistema de saúde dos funcionários públicos, principalmente se dívidas que tem não forem recuperadas, o que depende de “decisões políticas”. Aliás, num parecer sobre as contas do exercício de 2017 da ADSE, o conselho explica que a ADSE tinha 492 milhões de euros, mas um passivo de 274 milhões em faturas não pagas.

Nessa análise destacam-se ainda os custos com os regimes convencionado e livre, que atingiriam 557 milhões de euros, a que se juntam mais cinco milhões de custos com pessoal, o que dá quase 563 milhões. As receitas foram de 573 milhões, do que resulta um excedente de apenas 10,97 milhões de euros.

Ao mesmo tempo, o conselho geral de supervisão recomendou que se dotasse a ADSE de “meios humanos indispensáveis a um controlo eficaz da despesa, combatendo os consumos excessivos e desnecessários, o desperdício e a fraude”, para melhor utilização de recursos e contenção do elevado crescimento dos custos, já que, caso contrário, se caminhará “rapidamente para uma situação de insustentabilidade”.