Alemanha. Novo movimento para travar AfD

Alemanha. Novo movimento para travar AfD


Um documento do movimento diz que “as fronteiras abertas na Europa significaram mais competição para trabalhos mal pagos”


A questão dos refugiados está a mudar a identidade programática dos extremos no espetro político alemão. O Alternativa para a Alemanha (AfD) está a adotar políticas sociais normalmente atribuídas à esquerda tradicional, como o fim da desregulamentação laboral e a defesa de pensões mais altas, para consolidar a sua base eleitoral. Por sua vez, a líder do Die Linke, Sahra Wagenknecht, está a pressionar o seu partido para que defenda políticas duras para com a imigração. Para baralhar ainda mais as cartas, sociais-democratas, verdes e membros do Die Linke, com Wagenknecht à cabeça, estão a juntar-se para avançar com um novo movimento de esquerda radical nos próximos dois meses.  

Ainda que se desconheça a sua futura denominação, um documento programático não assinado que tem circulado pela cúpula do movimento sugere que o movimento caminhará para a defesa de políticas duras para com a imigração. “As fronteiras abertas na Europa significam mais competição para trabalhos mal pagos”, pode ler-se no documento, citado pelo “Guardian”. E não é a única particularidade do novo movimento: este quer romper com o “moralismo” da esquerda face à imigração, adotando uma posição “materialista”. Ou seja, o foco passará a estar na melhoria das condições dos alemães, recusando as fronteiras abertas.

“Quando as pessoas vivem em condições que as fazem sentir seguras, estão normalmente preparadas para agir de forma generosa e tolerante”, explica Bernd Stegemann, dramaturgo que se encontra a trabalhar com Wagenknecht no programa do movimento. “Mas quando vivem em condições cada vez mais precárias, então é provável que reajam a estes desafios [a imigração] de forma dura e fria”, acrescentou. O moralismo da classe política, continuou o dramaturgo, para com os trabalhadores alemães no tema da migração, não contribui para resolver a questão. 

A ideia do movimento não é nova, mas o constante receio de o Die Linke vir a perder mais eleitores para o AfD veio acelerá-la. Oskar Lafontaine, um dos fundadores do Die Linke depois de ter rompido com o Partido Social-Democrata alemão (SPD) e casado com Wagenknecht, já tinha dito que era necessário “um movimento coletivo de esquerda, um tipo de partido popular de esquerda que inclua o Die Linke, parte dos Verdes e do SPD”, segundo a revista “Der Spiegel”. Uma das principais razões para a formação do movimento prende-se com a perda de votos que o Die Linke sofreu no leste da Alemanha, onde grande parte da sua base social de apoio se encontra. 

Um estudo do sociólogo Klaus Dörre sugere que os realinhamentos na sociedade alemã têm sido profundos desde que a questão da migração começou a marcar a agenda política, com o movimento dos trabalhadores a ter cada vez maiores simpatias pelo AfD. “Costumavam ser um movimento de protesto flutuante, mas agora está a seguir a linha do partido [AfD]”, disse Dörre ao “Guardian”.

O novo movimento manter-se-á por algum tempo como um fórum online, onde os seus membros poderão apresentar e sugerir propostas políticas. Espera-se que em setembro comece a dar os seus primeiros passos. 

O AfD também não tem ficado à margem das transformações da sua base eleitoral. Começou como um partido anti-euro em 2013, mas rapidamente assumiu uma linha fortemente anti-imigração e xenófoba, conquistando votos à medida que a crise de migração ganhava destaque. Agora, o AfD está a viver um debate interno por uma das suas alas o querer descolar da imagem de partido monotemático, virando-o para o fortalecimento do Estado Social alemão, mas apenas para os cidadãos nacionais, à semelhança da Frente Nacional de Marine Le Pen. Entre algumas das propostas defendidas encontra-se a criação de uma “pensão para residentes”   de 190 euros mensais para cidadãos alemães que tenham 35 anos de trabalho no país. 

Björn Höcke, um dos principais dirigentes da AfD e considerado um dos arquitetos da viragem para os assuntos sociais,  defende que “a questão social alemã do século XXI” não será a redistribuição entre os mais ricos e os mais pobres, mas entre nacionais e estrangeiros.