Altamont. O dia em que os Hell’s Angels apunhalaram a música

Altamont. O dia em que os Hell’s Angels apunhalaram a música


Em 1969, os Rolling Stones queriam fechar uma gloriosa mas cara digressão com um final aberto a toda a gente. Era para ser o Woodstock da Costa Oeste mas Altamont acabou por ser uma das maiores tragédias da história da música. E o fim de uma época 


A digressão americana dos Rolling Stones em 1969 foi um momento crucial de um tempo marcante. Acusada de inflacionar os preços, a banda britânica decidiu que o final seria aberto, isto é, teria entrada livre.

Altamont, na Califórnia, foi o local escolhido. 6 de dezembro de 1969 o dia perfeito para dizer adeus aos anos 60. E cravar uma estaca numa época de contracultural. Altamont ia ser “o Woodstock do Oeste”. Ou, pelo menos, foi essa a intenção. O alinhamento era de luxo: Santana, The Flying Burrito Brothers, Jefferson Airplane, os Crosby, Stills, Nash & Young, e os Rolling Stones, por ordem de entrada em cena. Os Grateful Dead deveriam ter subido ao palco antes dos cabeça de cartaz mas, ao observarem a escalada de violência, declinaram.

Como o palco era baixo, os membros dos Hell’s Angels – liderados por Ralph “Sonny” Barger – foram contratados para fazer a segurança. Há diferentes versões sobre a entrada em cena do gangue de motoqueiros. Teriam sido os Grateful Dead e os Jefferson Airplane a recomendá-los aos Rolling Stones por já terem trabalhado com os Hell’s Angels. E o pagamento combinado era de 500 dólares em cerveja – a história já foi negada por várias partes, como por exemplo o tour manager da digressão Sam Cutler. 

De acordo com o testemunho de Bill “Sweet William” Fritsch, dos Hell’s Angels, no documentário “Gimme Shelter”, pouco mais fora pedido do que “ficar na frente do palco, beber cerveja e assegurar que não haveria mortes nem violações”. E segundo o manager dos Grateful Dead, Rock Scully, sem a segurança improvisada dos Hell’s Angels, “a multidão teria invadido o palco”. E o acidente teria tomado outras proporções. Ainda assim, foi um dia trágico.

O fotógrafo da digressão, Ethan Russell, recorda a “natureza morta” do local. Em Altamont, não havia árvores, nem relva. “Quando chegámos não havia um sinal palpável de alegria ou felicidade”, recorda no livro “Let It Bleed”.

À chegada, Russell suspeitou que o concerto não iria corresponder ao esperado. Pior foi para Mick Jagger que, ao descer do helicóptero, foi socado por um rapaz que correra em direção ao vocalista dos Stones. “Detesto-te”, vociferou. Compreensivo, Mick Jagger pediu ao manager Ronnie Schneider para não reagir. Mas o ambiente era tenso e pesado. Antes sequer de começar, a festa já estava estragada.

Durante o concerto dos Jefferson Airplane, um dos Hell’s Angels deixou o vocalista Marty Balin inconsciente. “Estava a conversar com alguns Hell’s Angels quando uma tenda voou e um deles acertou com um taco de bilhar – provavelmente vinha a cabeça de uma criança atrás. Quando chegou a nossa hora, os Angels abriram uma passagem. Estava muito preocupado quando subimos ao palco”, recorda o baterista Charlie Watts. “Podíamos estar a meio de uma canção e, de repente, víamos uma pessoa em sofrimento. E os Angels a bater em alguém. (…) Pensámos: ‘o que é que se está a passar aqui?”, lembra o baixista Bill Wyman.

Ao observar o caos, Mick Jagger é tímido na reação e não tem coragem para evitar a tragédia. Keith Richards é alertado para a presença de armas e tenta parar o filme. A informação está correta: um homem de tez negra tenta subir ao palco pela segunda vez. A segurança impede-o. E quando Meredith Hunter saca de uma arma, sem razão aparente, os Hell’s Angels caem-lhe em cima como moscas sobre um cadáver.

Alan Passaro ataca-o pelas costas com uma faca. E quando Ronnie Schneider procura chegar ao posto médico com o corpo, é tarde de mais. Não é só rock’n’roll e, neste caso, a morte vence sobre a vida e é um espetáculo deprimente. 

“Eu e o Mick Taylor [guitarrista] éramos os mais próximos. Vimos uma clareira a abrir-se e uma perseguição mesmo à nossa frente. Ambos percebemos o pânico quando o tipo foi esfaqueado. O meu coração deu um salto”, descreveu Bill Wyman na biografia do fotógrafo da digressão.

Mick Jagger interveio por fim. “Sabem, esta podia ser a mais bela noite deste inverno se todos fôssemos um só. Vamos mostrar que somos!”. Uma ambulância foi pedida mas era tarde demais. A vida de Meredith Hunter chegara ao fim.

E os Stones só escaparam com vida por ter sido montada uma bem sucedida fuga de helicóptero. “Não me lembro de ninguém falar. Só me recordo de estar em choque”, refere a namorada de Bill Wyman, Astrid Lundstrom. “Foi estranho ninguém falar. O caos das digressões anteriores era divertido. Mas ninguém quis falar de Altamont. Não houve nada de divertido ali. Nem uma única boa memória”, completa o baixista.