(In)Fidelidade


Primeiro vão aos inquilinos, depois irão aos proprietários, que se pensam salvaguardados esquecendo ter empréstimos bancários de casas hipotecadas. Tudo isto é profundamente imoral


Em fevereiro referi-me, pela primeira vez, à operação de venda em Lisboa de um lote significativo de imóveis da Fidelidade a um fundo americano, com o consequente despejo de centenas de inquilinos. Mais tarde, depois de perceber a dimensão da venda e a sua centralidade, escrevi ser esta a maior operação urbanística dos últimos anos na cidade.

Quando, em abril, a notícia saltou para os jornais, os poderes públicos procuraram tranquilizar as hostes sugerindo haver outras hipóteses. A própria Fidelidade declarou que não faria despejos (na verdade, o que está a fazer são cessações de contratos ao abrigo da Lei das Rendas de Assunção Cristas, que só resultarão em despejo se os moradores procurarem resistir) e deixou que se pensasse considerar outras opções que não a venda a este fundo.

Esta semana, o “Público” noticiou os termos da operação em curso. A Fidelidade, empresa pública privatizada em 2014 por meros 1263 milhões de euros, pretende vender o primeiro lote de 87 edifícios/2085 frações residenciais por 425 milhões de euros, realizando 1/3 do valor pago na primeira operação de alienação de património construído com dinheiros públicos. Estamos a falar de edifícios vazios e votados ao abandono durante anos, como o da Rua da Prata 174/178 e São Sebastião da Pedreira 122, ou totalmente ocupados como as 15 frações da Rua Forno do Tijolo 40/42B – tudo em zonas centrais da capital.

O comprador é o fundo americano Apollo (proprietário da Tranquilidade e próximo da família Trump), realizando a operação através de quatro sociedades–veículo com sede no Luxemburgo e capital social não superior a 100 euros.

Entretanto, também foi noticiado que o Novo Banco pretende seguir o mesmo caminho da Fidelidade alienando, por 700 milhões de euros, a sua carteira imobiliária numa operação que será liderada, veja-se bem, por Rita Barosa (Alantra), ex-assessora de Ricardo Salgado.

Primeiro vão aos inquilinos, depois irão aos proprietários, que se pensam salvaguardados esquecendo ter empréstimos bancários de casas hipotecadas. Tudo isto até pode ser feito de acordo com leis feitas à medida, mas é profundamente imoral. Esta luta não se ganha no plano jurídico, só com a mobilização dos bairros e nas ruas.