Os números são assustadores, há atualmente no Brasil 11,8 milhões de pessoas a viver na pobreza extrema. Um número que coloca o país ao nível de 2005, quando eram 12 milhões os brasileiros nessa condição. A grande diferença é que nessa altura o número ia em curva descendente, depois de um pico de 15,4 milhões em 2001, agora chega-se a esse número através de um pico vertiginoso de degradação das condições de vida que vem desde 2014. Nesse ano, o Brasil atingiu o menor número de pessoas a viver na pobreza extrema. Os 5,1 milhões de pessoas nessa situação eram um feito extremo para o governo brasileiro. Hoje as pessoas nessa condição de pobreza extrema mais do que duplicaram: são hoje 11,8 milhões.
Com esta tendência vertiginosa, mistura entre crise económica e crise política – fomentada pelo processo de destituição da presidente Dilma Rousseff e a ascensão ao poder do que era seu vice-presidente, Michel Temer –, o Brasil deverá voltar ao Mapa da Fome das Nações Unidas.
Como diz o economista Frederico Menezes, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em entrevista ao “El País Brasil”, “toda a experiência sempre mostrou que os números da extrema pobreza com os números da fome são muito próximos” e, como tal, o empobrecimento da população “leva a crer” que o Brasil “ está, neste momento, numa situação bastante ruim”.
Sem conseguir combater o défice, apesar de uma política que fez parar a economia por falta de investimento público (o congresso brasileiro aprovou uma emenda constitucional para manter os gastos públicos congelados durante 20 anos), de modo a poder enfrentar o desequilíbrio fiscal, o Brasil viu-se a braços com o aumento do desemprego, que chegou a 13,1% no final do primeiro trimestre, representando 13,7 milhões de pessoas sem trabalho, nem perspetivas de o conseguir. Por exemplo, a paralisia na construção civil deixou sem trabalho uma camada da população mais vulnerável, que não tem alternativas de emprego e, sem elas, cai rapidamente numa situação de fragilidade social extrema.
“A proposta de orçamento para 2017 traz um enorme corte e para 2018 ainda mais. É o que nós hoje estamos chamando de estado de desproteção social, porque faltam recursos de todos os lados”, afirma Frederico Menezes na mesma entrevista.
Caravana de alerta No dia 27 de julho começa uma caravana organizada por movimentos populares, sindicatos e organizações da sociedade civil para chamar a atenção para o panorama de fome que volta a ser uma realidade do país. Criada pela Articulação do Semirárido, começa na cidade de Caetés, no interior do estado de Pernambuco, no Nordeste do país. A caravana pretende continuar o seu périplo pelos estados da Baía, Minas Gerais, Rio de Janeiro (onde a pobreza extrema passou de 143 mil para 480 mil pessoas em apenas um ano), São Paulo e Paraná.
Atingida em 2015 a segurança alimentar, uma das metas da Agenda 2030, e o Objetivo de Desenvolvimento do Milénio de redução da fome e da pobreza, o Brasil tem, desde aí, assistido a um deteriorar acelerado das conquistas alcançadas na última década.
Tal assim é que o governo de Michel Temer optou por não divulgar o relatório de de acompanhamento das metas de desenvolvimento sustentável em 2017 e este ano vai pelo mesmo caminho. No entanto, há um grupo de trabalho ligado à sociedade civil que pretende divulgar no final deste mês esses números que o executivo pretendia que não viessem a público, nomeadamente num ano como este em que o país se prepara para eleger um novo chefe de Estado em outubro.
O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014 e de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar de 2013, uma pesquisa feita a cada cinco anos, 3,2% da população vivia em situação de insegurança alimentar grave, o que dava aproximadamente 3 milhões de famílias, o mais baixo valor alguma vez atingido no país. Nessa altura representava uma descida de 28,8% em relação à anterior pesquisa, de 2009. A próxima, cujos resultados deverão ser publicados em dezembro, trará resultados bastante diferentes para pior.
Já se começam a ver os resultados negativos na taxa de mortalidade prematura. Em crianças com menos de um ano de vida, a taxa cresceu 11% entre 2016 e 2017. Também em matéria de desnutrição se acendem luzes vermelhas: a percentagem de crianças desnutridas com menos de cinco anos passou num ano de 12,6% para 13,1% em 2017.