Eis-nos chegados ao fim do arco-íris de mais um Campeonato do Mundo de Futebol, 21.a edição de um torneio que, até hoje, só teve como vencedores as grandes potências do futebol europeu e sul–americano, reduzidas a sete, a saber: Brasil (5 títulos), Alemanha e Itália (4), Argentina e Uruguai (2), França, Inglaterra e Espanha (1).
Este domingo, no palco pomposo do Estádio Luzhniki, que já levou o nome de Lenine em tempos soviéticos que lá vão, ficaremos a saber se a Croácia – esse país que foi independente na primeira metade do séc. vii, que se instalou como reino no séc. x e foi sendo absorvido pelo Sacro Império Romano-Germânico, pelo Império Austro-Húngaro e, finalmente, pela Jugoslávia, vida e obra de um só homem, Tito – entrará no restrito clube de vencedores ou se a França, que atinge a sua terceira final de Mundiais em 20 anos, passará a igualar os uruguaios e os argentinos em número de taças do mundo.
Assim de repente, enquanto a ampulheta vai deixando escorrer a areia fina dos segundos que faltam para que croatas e franceses subam ao relvado, ninguém fica à margem do terrível esforço físico exigido até ao momento aos rapazes comandados por Zlatko Dalic, envolvidos em prolongamentos consecutivos desde que ultrapassaram a fase de grupos, na qual despacharam a Argentina de Messi à custa de uns esplendorosos três a zero. De facto, a montanha tem sido íngreme para a Croácia. Nos oitavos-de-final libertaram-se da Dinamarca apenas após a marcação de grandes penalidades (1-1 e 3-2), tal como veio a acontecer nos quartos-de-final de Sochi, face à Rússia (2-2 e 4-3). Finalmente, na meia-final de anteontem, novo prolongamento face aos ingleses, este a não precisar de penáltis (2-1).
Portugal? Quase se diria que é uma Croácia à moda do Portugal de 2016, no Europeu de França. Veremos se com o mesmo sucesso – estamos quase, quase a sabê-lo. O que sabemos de verdade certa é que este desgaste tem custos. Repare-se que não é de forma alguma depreciável: entre o dia 30 de junho e o dia 15 de julho, a França terá menos hora e meia de futebol nas pernas, já para não falarmos do desgaste emocional que os prolongamentos e as decisões por grandes penalidades acarretam. Dir-me-ão: mérito dos franceses, que trataram de arrumar os seus jogos sem se sujeitarem a tamanhos pesadelos. Não serei eu a discutir essa realidade. De facto, com mais espetáculo (4-3 à Argentina, num dos jogos mais lúdicos deste Mundial) ou menos espetáculo (2-0 ao Uruguai e 1-0 à Bélgica, até aí sensação da prova), a França tem-se mantido imperial. Seis jogos e cinco vitórias, um único empate, muito sensaborão, valha-o Deus, contra a Dinamarca (0-0) no último jogo do grupo, com as duas equipas já qualificadas. É sempre uma chatice, mas ninguém pode obrigar a mais quem já fez a sua obrigação.
Será certamente um conjunto mais fresquinho aquele que há pouco mais de dois anos perdeu com Portugal no Estádio de França, em Saint-Denis, a final do seu Europeu. E ao contemplarmos, como Napoleão do alto das pirâmides de Gizé, a carreira dos franceses nestes dois anos em revista, podemos dizer que estamos perante a que será, sem muita dificuldade em dizê-lo, a melhor equipa do mundo da atualidade.
Não apenas pelas duas finais em dois anos (mas sobretudo). Igualmente por aquilo que aqueles que poderiam querer discutir esse posto não oficial foram deixando de fazer neste tempo – exemplo maior para a Espanha, que entrou plena de favoritismo nas duas competições e saiu muito, como gosta de dizer o povoléu, com o rabo entre as pernas. Ou para a Alemanha, um campeão do mundo em choque epilético, arrasado por completo nesta sua tentativa de defender o troféu, de uma forma que, nestas últimas décadas, só me recordo de ter sucedido precisamente com a França no Mundial de 2002, na Coreia do Sul e do Japão.
Contra o destino, já vimos que os croatas estão aí, decididos a tudo. Como a velha canção, dirão de si para si: “Faz de conta/ Que ainda é cedo…” É cedo para que os consideremos fisicamente inferiorizados, é cedo para que vejamos na França uma seleção imbatível, é cedo para fazermos sobre eles prognósticos negativos. Uma alma imensa trouxe-os até aqui, pode muito bem levá-los mais longe. Até porque a canção também diz: “Deixa falar a voz do coração.” E coração tem a Croácia. Grande!