Touradas. Os abolicionistas do PS

Touradas. Os abolicionistas do PS


Não alinham com a posição oficial do partido e rejeitam um espectáculo que provoca sofrimento aos animais


A posição oficial do PS é a favor das touradas, mas, ao contrário dos outros partidos que apoiam a tradição, está a ganhar adeptos a ideia que a abolição é o melhor caminho. Oito dos 30 deputados que votaram, no parlamento, a favor da proposta do PAN  são socialistas. 12 optaram pela abstenção. Usam a mesma linguagem que o PAN ou o Bloco de Esquerda – partidos que são oficialmente contra – e têm a convicção de que a tauromaquia está condenada a acabar.

A posição do PS sobre a proposta em discussão, na última sexta-feira, surgiu pela voz do ribatejano Hugo Costa: “Um projeto radical que não respeita a identidade cultural de uma parte significativa do nosso território”. Nem todos aplaudiram. Os antitaurinos usaram as redes sociais para explicar as divergências e condenar um espetáculo em que os animais sofrem. “Rejeito que um espetáculo que envolve o sofrimento visível e a morte de um animal possa ser mantido imutável e perpetuamente como património cultural do meu país”, afirma Diogo Leão, um dos oito deputados desalinhados. 

Hugo Carvalho, um jovem deputado de Amarante, vai mais longe e confessa a sua “desilusão pela votação da bancada do Partido Socialista e o orgulho nos oito deputados que não se resignaram com a posição dominante no partido”. O jovem parlamentar considera que um evento “onde é provocada a dor e o sofrimento do animal” não é compatível com “um país desenvolvido”. Luís Graça, eleito por Faro, também condena a “dor por diversão” e não tem dúvidas de que “o fim das touradas será uma questão apenas de tempo”. Tiago Barbosa Ribeiro, Pedro Alves, Rosa Albernaz, Carla Sousa e Ana Passos também votaram ao lado do PAN.

Ao i, o deputado Pedro Delgado Alves mostra-se convicto de que o PS poderá evoluir para uma posição diferente: “É uma questão geracional e uma questão de tempo. Se somarmos os deputados que votaram a favor com aqueles que se abstiveram estamos a falar de um número já bastante considerável de pessoas que têm bastantes reservas em relação a esta atividade e acho que a tendência é para este número crescer. É uma questão de ser paciente e continuar a fazer o trabalho de persuadir mais pessoas”. Delgado Alves explica que estes deputados partilham a ideia de que esta é uma atividade que “não deve continuar a ser permitida, porque inflige sofrimento a um ser vivo capaz de sentir a dor com a mera finalidade de entretenimento”. A intenção é que a extinção não seja imediata, mas através de um processo “gradual”. 

 

Lisboa com touradas

A polémica à volta das touradas está na ordem do dia. Na sexta-feira, o parlamento chumbou a proposta para abolir as touradas com os votos contra do PS, PSD, PCP e CDS. Menos de uma semana depois, a Assembleia Municipal de Lisboa discutiu uma recomendação do PAN para acabar com as corridas no Campo Pequeno, a praça do país com mais público. 

A proposta foi chumbada, na terça-feira, com os votos contra dos socialistas, PCP, PSD e CDS.  A recomendação recebeu os votos favoráveis do Bloco de Esquerda, MPT e oito deputados socialistas. Oito deputados independentes também apoiaram a ideia de acabar com as corridas na capital do país. 

 Contas feitas, 49 deputados votaram contra e 26 a favor. Inês Real, deputada municipal do PAN, rejeita que os antitaurinos tenham sido derrotados nestas votações, porque “são cada vez mais os deputados que se juntam ao PAN”. 

 

 

Inês Sousa Real: “As touradas em Lisboa prejudicam o turismo. Os turistas não gostam de tradições bárbaras”

 

O PAN defende que devem acabar as touradas em Lisboa. Já esperava que a proposta fosse chumbada?

Aquilo que o PAN propôs foi que pudesse ser dado outro uso à praça que não passasse pelas corridas de toiros. Existindo aqui um terreno que é municipal e uma praça que pertence à Casa Pia, que tem como fim a proteção de crianças e jovens, não faz sentido que esta atividade tenha a chancela de duas entidades públicas. A autarquia não pode continuar a ser alheia ao sofrimento dos animais, mas também existem aqui questões económicas. A praça de toiros por ser propriedade da Casa Pia beneficia de uma isenção de IMI num valor que ascende a 9 milhões de euros ao ano. E temos de olhar para Lisboa e perceber que os lisboetas também têm direito à sua identidade. 

 

A tauromaquia choca com a identidade dos lisboetas? 

Não podemos ignorar essa identidade lisboeta e temos uma sondagem da Universidade Católica a revelar-nos que 89% dos lisboetas nunca assistiram a uma tourada no Campo Pequeno desde que a praça foi reaberta, em 2006. 69% não concorda com a promoção das touradas no Campo Pequeno e 75% são contra a utilização de dinheiro público para financiar touradas. Não podemos também ignorar o turismo. Não queremos a nossa capital manchada com uma imagem de uma cidade que permite tradições que são bárbaras.   

 

As touradas prejudicam o turismo?

Claro que sim. Só em oito países do mundo é que ainda permanecem este tipo de atividades. A maior parte dos turistas não adere a este tipo de eventos. Não adere a eventos que envolvam o sofrimento do animal. Isto é uma mancha na nossa capital que tem recebido prémios e distinções que nos orgulham. Em Lisboa está nas mãos da autarquia poder dar passos, juntamente com a Casa Pia, para eliminar esta atividade da nossa cidade como aconteceu na Póvoa do Varzim ou em Viana do Castelo.

 

As propostas do PAN para acabar com as touradas no país e em Lisboa foram chumbadas. Sente esse resultado como uma derrota?

Não creio que seja uma derrota. São cada vez mais os deputados que se juntam ao PAN e a outros partidos que têm lutado para alcançar um maior nível de respeito e proteção do bem-estar animal. 

 

O que é que, na sua opinião, tem sido determinante para que as propostas contra as touradas não tenham sucesso? 

Acho que, efetivamente, não representam os interesses dos seus eleitos sobretudo em Lisboa. Os lisboetas são contra esta atividade e depois os nossos representantes vão contra a vontade dos lisboetas. Falta coragem política para dizermos basta a este lóbi que está instalado, que recebe mais de 16 milhões de euros, anualmente, a nível de subsídios, quer das autarquias, quer do próprio Estado e da União Europeia. Não nos podemos esquecer que todos estes animais também beneficiam dos subsídios da Politica Agrícola Comum. Está na altura de dizermos basta. Este lóbi  não deve prevalecer sobre o bem-estar animal e sobre os valores da ética do nosso tempo. Os deputados têm perdido oportunidades únicas e históricas para repor o respeito pelos animais.