O princípio da última etapa


A posição do PSD sobre o OE para 2019 será a primeira de muitas decisões que poderão contribuir para o esvaziamento que Costa subliminarmente pretende para o partido liderado por Rio


Concentrados os esforços de manutenção dos entendimentos mínimos entre PS, PCP e BE até à aprovação do Orçamento do Estado, cresce a expetativa sobre a posição do PSD acerca dos termos do jogo financeiro e de investimento para o próximo ano. Rui Rio tem sido claro e coerente – não revela sem conhecer os conteúdos com que se vão arranjar os labirintos do dinheiro do Estado. Mas o pretexto já é o grande reforço de verão para a oposição interna ao recém-eleito líder do PSD. Compreende-se que seja irresistível tal instrumento para desgaste. O primeiro ato político das próximas legislativas e o arranque para o ciclo parlamentar seguinte será justamente a luta pelo Orçamento. Se o PSD, no mínimo, não se abstiver, a mensagem que se irá passar é a de capitulação em face da coligação de esquerda e, portanto, de falta de alternativa. Uma junção aos interesses que derrotaram Passos Coelho depois da vitória em 2015 e o aniquilaram nas autárquicas de 2017. Um punhal na identidade que o partido quer ter como principal partido da oposição. Um risco fatal para qualquer aspiração de vitória contra a dupla Costa-Centeno por mor da aquisição da confiança dos indecisos. Seria inevitável que (fundamentalmente) o PS rentabilizasse esse passo de apoio, visto como uma espécie de caução mínima. Por isso, Rio, tanto para consumo da casa como para credibilidade externa, não deverá colocar-se a jeito para a eclosão dessas fragilidades. O PSD vai a votos em 2019 também para referendar a sua liderança e a sua conservação depende de ganhar ou perder e, acima de tudo, de saber por quantos ganha e por quantos perde. Será nesse contexto que, até lá, tudo se desenhará.

Claro que, mais do que uma fatalidade, o processo do OE pode ser uma grande oportunidade. Se o PSD conseguir eleger meia dúzia de assuntos para, técnica e substancialmente, se diferenciar do PS e, com fundamentação plausível, justificar uma “nova vida” para o país (de convergência com a média europeia) e alívio do garrote orçamental, estará encontrado o registo. Dá mais trabalho, mas é isso que se quer ouvir. Se começar na rotura da CP – em contradição com a aposta anunciada na ferrovia – e acabar na humilhação das carreiras remuneratórias dos docentes do ensino superior – em consonância com o desinvestimento estrutural e subfinanciamento prolongado das universidades –, continuando com o serviço público hospitalar e as tergiversações educativas, haverá muito por onde escolher e fazer o debate, com as perguntas certas e as formulações justas. É isso que distinguirá a alternativa da manipulação sindical e do domínio das agendas culturais e comunicacionais das classes urbanas, que apenas solicitam pragmaticamente repartir e condicionar o poder vigente e dispensam assumir os encargos da governação. Se assim não for, Costa – como já intuiu Santana Lopes – vencerá o seu principal escopo: esvaziar lentamente o PSD enquanto outra face do sistema. E fazer coincidir o PS com a aparelhagem cardíaca do regime por muitos e bons anos. Também é essa questão que se decidirá nas próximas legislativas. E seria avisado que quem pretende renovar e acrescentar não esquecesse isso.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira