A crispação verbal está de regresso ao panorama nacional, depois de ter povoado boa parte do debate político das últimas décadas. Está tenso! Ao longo dos anos tem havido uma degradação do nível do debate político em Portugal, com várias ultrapassagens das linhas vermelhas do que deveria ser a relação entre os protagonistas e a verbalização das suas ideias e propostas no quadro da liberdade de pensamento e de expressão.
Depois de uma harmoniosa sintonia nas reversões e devoluções, ainda que com episódicas expressões de violência no namoro, são cada vez mais insistentes os sinais de que a solução governativa do PS, com o apoio do BE, do PCP e do PEV, entrou numa fase de violência doméstica, com toda uma diversidade de situações acintosas.
O miserável episódio do vídeo do institucional PCP no Facebook, em que António Costa é comparado ao Padrinho Vito Corleone, sendo um dos “ padrinhos da precariedade”, a propósito do acordo sobre as leis laborais alcançado na concertação social (a tal que parece só interessar à esquerda quando não tem maioria no parlamento), é sintomático dessa escalada de violência doméstica na solução de governo.
Entre o “agarrem-me senão vou-me ao PS” de Bloco e PC e o reiterado alimentar de uma verborreia reivindicativa, sem nexo com as possibilidades e a realidade do país se descontarmos os números mediáticos para português e eleitorados verem, é evidente que quem apoia já não tem o mais elementar respeito pelo exercício da governação e quem é apoiado não se dá ao respeito perante os reiterados impropérios. É uma espécie de “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”.
Sendo inequívoco que a violência doméstica tem uma dramática expressão na sociedade portuguesa, com 19 vítimas mortais em 2017, não é menos verdade que no plano político se manifestam características similares, ainda que sem o nível de fragilidade em que muitas das vezes se encontram as reais vítimas do fenómeno. Aqui, no plano da dialética política, as vítimas acabam por ter outros meios de defesa. Acabam por ser vítimas das circunstâncias, por ação ou por omissão, nas opções que fazem.
Coagir e ameaçar. “Os deputados do PS que mantenham a cabeça fria contra a chantagem”, Catarina Martins, julho de 2018. “É importante sublinhar e repetir que estamos perante um governo minoritário onde não existe nenhum acordo parlamentar, nenhum acordo com o governo”, comité central do PCP, novembro de 2017. Bloco avisa governo de que acordo no pacote laboral é “decisivo” antes do Orçamento, julho de 2018.
Intimidar. “Romper com a política de direita, independentemente de ser realizada pelo PSD e CDS ou pelo PS sozinho ou não, construir a alternativa política e concretizar uma política alternativa é a questão essencial que se coloca aos trabalhadores e ao povo português”, comité central do PCP, janeiro de 2018.
Usar a violência emocional. “O que falta é coragem ao governo”, Catarina Martins, novembro de 2017. “O PS é permeável aos grandes interesses económicos”, Catarina Martins, dezembro de 2018. BE acusa governo de estar refém do sistema financeiro, Catarina Martins, julho de 2018.
Isolar. “O PCP não apoia o governo. Viabiliza-o porque não o deita abaixo”, PCP, novembro de 2017. “Os desenvolvimentos recentes da situação política são marcados pelas contradições inerentes às opções do PS e do seu governo minoritário, ao serviço do grande capital e de submissão à UE”, comité central do PCP, junho de 2018.
Minimizar, negar, condenar. “O governo socialista não é um governo de esquerda; não desenvolve uma política coerente e consistente de esquerda; não rompeu com a política de direita”, Jerónimo de Sousa, maio de 2018.
São muitos os traços e os ditos de três anos de solução governativa, da responsabilidade de PS, BE, PCP e PEV. Por muitas que sejam as latitudes dos estados de alma públicos, a realidade é só uma: já tivemos três instrumentos orçamentais aprovados que correspondem às opções políticas de todos, em banda larga e em banda estreita, na medida em que nenhuma divergência foi suficiente para motivar uma atitude diferente do voto a favor. Tudo o resto, mesmo no limiar do insulto ou no coração da falta de vergonha na cara, não passa de conversa para entreter.
Mau mesmo é que quem é fiel depositário de um património histórico de valores, de combate pelas liberdades e pela democracia, de ação governativa e de ação, por Portugal e pelos portugueses, naturalmente também com erros, não se dê ao respeito. Quem não se dá ao respeito não é respeitado. O que não faz a ânsia de manutenção do poder.
NOTAS FINAIS
A geometria variável da realidade mediatizada. Hoje como nunca, a imagem impõe a sua lei. O que não é visionado não existe. Que diferença há entre uma invasão de um centro de estágio de árbitros e a invasão de uma academia de um clube? A imagem. Que diferença existe entre o resgate dos jovens tailandeses presos numa caverna e os náufragos no Mediterrâneo, num rio de áfrica ou na Tailândia? A imagem, o mediatismo e a projeção que é dada aos acontecimentos. Em boa parte da realidade, a sua existência e a relevância são conferidas pelo registo audiovisual. É triste, mas é assim.
A geometria variável entre o discurso e as realidades. Em 2017, os trabalhadores a recibos verdes no Estado voltaram a subir: mais 14,6% do que em 2016. Em 2018, os gastos do Estado com advogados dispararam. Só no primeiro semestre de 2018, o Estado gastou 9,1 milhões de euros com contratos de assessoria e consultoria jurídica externa, um valor quase tão alto como o registado na totalidade do ano passado (11,6 milhões de euros).
Escreve à quinta-feira