Eis-me de novo em Moscovo, cidade de estátuas, muitas estátuas, e de bustos, muitos bustos (de ambas as espécies), sejam elas de militares (uma infinidade), de políticos (já teve mais, já teve menos, agora vão recuperando algumas), e de artistas de todas as categorias, numa espécie de Orquestra Universal das Artes, como lhe chamava Alexander Blok, entre compositores, poetas, escritores, pintores e vários desportistas.
Já falei aqui. durante este Mundial, das estátuas de Lev Yashin, a Aranha Negra, o guarda-redes que marcou a história do futebol russo nos anos-50 e 60, uma no estádio do seu clube de sempre, o Dínamo, outra no parque que rodeia o Estádio Luzhniki, aquele onde se disputa a meia-final de hoje, entre Inglaterra e Croácia, e se disputará a final de domingo, embora bem mais pequena do que a estátua de Lenine que se ergue mesmo em frente à porta principal.
Pode dizer-se sem margem para erro que Moscovo tem mais estátuas de jogadores de futebol do que o Funchal, por exemplo, e mais diversificadas, pois o Spartak também não quis deixar os seus heróis sem plinto e eles são logo quatro, ainda por cima irmãos, os Starostin: Nikolai, Aleksandr, Andrei e Piotr, todos também Petrovni.
Nikolai, o mais velho, nascido em 1902, é uma figura tutelar do clube, marcante no pós-revolução de Outubro e na fase de implementação do futebol na então União Soviética, como desporto muito elitista e pouco acessível à classe trabalhadora. Tanto ele como os irmãos jogaram futebol e hóquei no gelo durante a infância, tendo Nikolai atingido um estatuto de grande ponta-direita, rápido, poderoso, goleador, assumindo sempre a responsabilidade colectiva, dentro dos clubes dos quais fez parte como na própria sociedade moscovita.
Não há muito tempo, a BBC gravou aqui, em Moscovo, uma interessante reportagem sobre os irmãos Starostin e as implicações políticas que a proximidade entre Nikolai e Aleksandr Kozarev, chefe da Konsomol, ou seja a Juventude Comunista, veio a ter na vida da família.
Spartacus Ao contrário do grande rival Dínamo, que era financiado sobretudo pela NKVD, a polícia secreta, que antecedeu a KGB, o Spartak criou raízes junto ao Ministério do Trabalho e à Promkooperatsia, uma organização de trabalhadores de baixo nível social, como taxistas, barbeiros, açougueiros, merceeiros e outros vendedores a retalho.
Há um livro chamado The History of The People’s Team in a Worker’s State, escrito por um antigo professor da Universidade de Harvard, Robert Edelman que revela duas versões diferentes para o nome do clube: que viria do fascínio de Nikolai por uma liga de trabalhadores alemã que tinha um campeonato chamado Spartacus, em honra do escravo que liderou a revolta contra Roma; ou que teria sido por mero acaso o livro que um dos irmãos estava a ler, Spartacus (ou Espártaco, à portuguesa), da autoria de Lewis Gibbon.
Bem, Spartak ficou. E ganhava. Não apenas por causa da categoria dos quatro irmãos Starostin, mas igualmente por se ter tornado rapidamente muito popular. No Dia da Educação Cultural e Física de 1936, duas equipas do Spartak defrontaram-se na Praça Vermelha. Terá sido, segundo Edelman, o primeiro jogo de futebol que Estaline viu ao vivo.
Dois anos mais tarde, com a subida de Laurentiy Beria ao topo da NKVD, os Starastin e o Spartak caíram em desgraça. Beria, um dos maiores carrascos da União Soviética, não suportou os títulos conquistados pelo clube rival.
Kosarev seria uma das vítimas da Grande Purga e os irmãos ficaram sem protecção política que lhes valesse. Todos foram presos sob acusação de importarem ideiais subversivos e ocidentais para o desporto soviético. Nikolai chegou mesmo a ver-se envolvido numa falsa conspiração para assassinar Estaline.
Dez anos passaram os Starostin nos gulags, o sistema de trabalhos forçados imposto pelo regime. Nikolai, por causa da sua popularidade nos campos, que lhe dava vários privilégios entre prisioneiros, foi sendo transferido de um lado para o outro, desde Ukhta, no Círculo Polar, a Khabarovsk, no extremo-oriente, perto da fronteira com a China.
A reabilitação dos quatro irmãos só se deu após a morte de Estaline e a execução de Beria. Em 1953, o Spartak era de novo campeão.