Mais de 50% da população adulta em Portugal tem excesso de peso ou é obesa. Ao mesmo tempo, 90% dos doentes com diabetes tipo 2 são também obesos. As estatísticas não são animadoras e não é por acaso que a obesidade é considerada a epidemia do século XXI, mas isso pode estar prestes a mudar: uma equipa de investigação da Universidade Autónoma de Barcelona (UAB) publicou na segunda-feira um artigo na revista médica “EMBO Molecular Medicine” no qual dá conta da descoberta de uma cura para a diabetes tipo 2 e obesidade.
Foi através de uma terapêutica genética em ratos que os médicos chegaram a um tratamento que garantem ter bons resultados em duas doenças que, como escrevem no artigo, “estão a aumentar a um ritmo alarmante em todo o mundo”. Uma única injeção de um vetor viral adeno-associado (AAV) portador do gene do fator de crescimento de fibroblastos 21 (FGF21) resultou numa manipulação genética no fígado, tecido adiposo e músculo-esquelético dos ratos, que passaram a produzir continuamente a proteína FGF21. E que proteína é essa? É a que é produzida por vários órgãos naturalmente e atua nos tecidos, com a função de regular o correto funcionamento do metabolismo energético – produção de energia, por outras palavras, um processo no qual a insulina tem, aliás, particular importância, uma vez que metaboliza a glicose (açúcar no sangue).
Os animais foram acompanhados durante um ano e meio e, no final desse período, os médicos concluíram que os ratos tinham perdido peso, enquanto a sua resistência à insulina tinha diminuído também.
Numa conferência de imprensa realizada no campus da UAB, a professora Fatima Bosch, que liderou o grupo de investigadores, mostrou-se confiante com a descoberta e disse que o passo seguinte será “testar esta terapia em animais maiores, antes de passar a ensaios clínicos com pacientes”.
proteína fgf21 e obesidade A obesidade é uma doença crónica com origem em vários fatores. Por isso, os investigadores testaram o tratamento em dois modelos de doença: tanto em ratos com a chamada obesidade genética, como noutros com obesidade resultante da dieta alimentar. Como resultado, em ambos os grupos as cobaias perderam peso e apresentaram uma diminuição da gordura acumulada e da inflamação no tecido adiposo. Nenhum efeito secundário foi registado.
Ao i, o presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, Rui Duarte, lembra que “existem já descritos dezenas de genes relacionados com a obesidade e o desenvolvimento da diabetes tipo 2 nos humanos”, comentando que “a experiência realizada pelos investigadores da Universidade Autónoma de Barcelona é um caso de sucesso em ratinhos obesos na aplicação de uma terapêutica génica com o gene do FGF21, que consiste numa manipulação genética de modo a aumentar a produção de uma proteína natural que leva à redução do peso e correção da insulino-resistência, que estão na origem da diabetes tipo 2 nos humanos”.
O médico diabetologista mostra-se esperançoso quanto às potencialidades da descoberta, afirmando que “os resultados positivos desta experiência em ratinhos de laboratório são promissores para que num futuro, que se deseja não muito longínquo, o mesmo tipo de abordagem possa começar a ser estudado e aplicado nos seres humanos”.
Mas as boas notícias não se ficam por aqui: mesmo em ratos saudáveis, a aplicação da terapêutica traduziu-se num envelhecimento saudável e revelou-se como um método preventivo do aumento de peso relacionado com a idade e da resistência à insulina.
Obesidade e diabetes tipo 2 A obesidade e diabetes tipo 2 andam de mãos dadas. Como explica ao i o endocrinologista João Jácome de Castro, por um lado o excesso de peso e a obesidade são o principal fator de risco do do aparecimento da diabetes. Por outro, a esmagadora maioria das pessoas com diabetes tipo 2 têm excesso de peso ou obesidade. Mas porquê? O médico especialista esclarece: “A obesidade provoca o aumento da resistência periférica nas células à ação da insulina, ou seja, enquanto na diabetes tipo 1 começa por haver uma destruição das células produtoras de insulina no pâncreas, na diabetes tipo 2 as células do pâncreas estão bem. O que acontece é que, na periferia, as células onde a insulina vai atuar começam a ficar resistentes à ação da insulina”. É então que, continua o especialista, se gera “um mecanismo de feedback que faz com que o pâncreas seja levado a produzir mais insulina, para responder às necessidades periféricas aumentadas”.
“No limite, surge uma situação em que o pâncreas é incapaz de responder às necessidades periféricas, e assim gera-se uma situação de desequilíbrio entre a necessidade periférica e a capacidade de produzir. Como resultado, o pâncreas fica cansado e deixa de dar conta do recado”, conclui.