Quando analisamos problemas da vida e projetamos o futuro fazemo-lo, em geral, a partir da nossa experiência passada e das notícias trazidas por outros – neste caso, da experiência que, direta ou indiretamente, outros nos transmitem.
O presente, porque instantâneo, tem pouco significado nessas análises e projeções.
Projetar o futuro é, sim, um exercício que tem muito de passado e muito pouco de presente.
Quando esse passado – ou parte dele – foi, além do mais, forçada e injustamente interrompido, é compreensível que o futuro configurado pelos que o chegaram a auferir se alicerce retrospetivamente nele e queira, pelo menos em parte, reproduzir as expetativas que gerou.
Não é, por isso, estranho que muita da movimentação social que sucede hoje em diversas partes do mundo – logo, no nosso país – decorra precisamente no quadro de um tal passado, abusivamente amputado pela crise, que, mesmo não tendo sido esplendoroso, aparece a muita gente como sendo melhor do que o presente.
É esse passado que molda, portanto, a visão presente do futuro.
Enganadas, as camadas sociais mais prejudicadas pela frustração desse futuro não realizado tornam-se céticas e mais exigentes.
Passam, por isso, a ser-lhes estranhos conceitos justificativos difusos e objetivos distantes e pouco credíveis.
Estes, tendo servido para justificar a quebra das suas expetativas anteriores, aparecem-lhes como interessando, essencialmente e mais uma vez, aos causadores das perdas sofridas.
A única maneira de ultrapassar tal visão passada de um futuro mitificado terá, pois, de assentar na criação de uma ideia nova, mais próxima e mais realista do que a inscrita no passado, cuja perda, verdadeiramente e com razão, nunca se aceitou como justificada.
Por esse motivo, tal ideia, para ser mobilizadora, não pode bastar-se com a repetição dos pressupostos e das medidas que, de uma maneira ou de outra, estão associadas aos interesses intocados dos que foram responsáveis pela frustração do futuro anterior.
Essa ideia nova – o futuro que se almeja melhor – não deve, assim, mimetizar o passado.
Deve projetar – mesmo que material e apenas circunstancialmente mais limitado – um futuro realmente novo e diferente e, sobretudo, que se aceite como mais justo.
Um futuro mais solidário que o anterior e capaz de mobilizar, por isso, o imaginário das camadas sociais que se viram mais penalizadas pela amputação das expetativas passadas.
Mas, até por causa das frustrações anteriores, esse futuro tem de ter repercussões imediatas, para ser credível.
O novo futuro, mesmo que realista, quer-se próximo.
A estrada desse futuro não pode, pois, assentar na repetição atualizada dos passos que conduziram à frustração do passado e do futuro nele inscrito.
Tais passos, mesmo que menos árduos do que os do passado e procurando até, genuinamente – aceita–se –, conduzir a outros caminhos, estão gastos e são já absolutamente ineficazes para remediar o presente e projetar futuro.
Se passos novos não forem dados, a força de um novo futuro – mesmo que parecendo irracional aos novos responsáveis e aos das perdas passadas – pode ganhar contornos imponderados, mais não seja no plano da pura vingança.
Na falta de algo mais credível, a expiação da humilhação pela vingança pode constituir também, aos olhos de muitos, um futuro viável que, pelo menos, sirva para apaziguar as frustrações das expetativas feridas.
É nessa hipótese que apostam os populismos e as propostas irracionais que prodigalizam.
Escreve à terça-feira