Inglaterra. A melancólica história dos três leões

Inglaterra. A melancólica história dos três leões


Uma derrota vergonhosa na primeira vez que se dispuseram a participar num Mundial (1950), o título caseiro de 1966 e 28 anos de espera


Até 1950, orgulhosamente barricados para lá das rochas brancas de Dover, os ingleses recusavam-se a participar em campeonatos do mundo. Procediam sob a regra básica da sociedade que manda dizer que um inglês tem o direito inalienável de dizer aos outros, sobretudo aos de natureza mais extrovertida, que se metam na sua própria vida.

A soberba era de tal ordem que só em 1946, depois do final da ii  Guerra Mundial, é que The Football Association, assim com esta pompa e circunstância digna de Elgar, concedeu à FIFA a honra de se filiar na organização que já fora fundada em 1930. Mas o que era isso para uma instituição que existia desde 1870? Os Mundiais de 1930, 1934 e 1938 não tiveram, portanto, a presença da Inglaterra nas fases eliminatórias. Em 1948, duas vitórias retumbantes, 4-0 em Turim, à Itália campeã do mundo, e 10-0 em Lisboa, à infeliz seleção nacional, convenceram finalmente os seus responsáveis de que seria conveniente imporem-se de forma definitiva no panorama do futebol mundial. O apuramento para a fase final, a disputar no Brasil, seria feito através do British Home Championship, competição que englobava Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda. A Inglaterra foi primeira, reservou o lugar. Os escoceses, tão teimosos como pedantes, recusaram-se a atravessar o Atlântico: não consideraram apropriado um apuramento através de um segundo lugar. Outros tempos, outros tempos…

 

O desastre!

O Campeonato do Mundo de 1950 não ficou apenas enterrado profundamente como uma adaga entre a quarta e a quinta costela do Brasil, derrotado no Maracanã pelo Uruguai perante mais de 200 mil pessoas. Para a Inglaterra revelar-se-ia um dos momentos mais vergonhosos da sua história, ainda por cima logo na primeira vez que se tinha rebaixado à humildade de pôr o seu futebol em confronto com países que, do jogo que haviam inventado, sabiam pouco ou nada.

Jogadores da categoria de Tom Finney, Wilf Mannion, Alf Ramsey, Billy Wright, Stan Mortensen ou Stanley Matthews sentiam-se no direito de ser considerados como grandes favoritos à conquista da Taça Jules Rimet. Incluídos no mesmo grupo da Espanha, do Chile e dos Estados Unidos, contavam com uma qualificação tranquila para a poule decisiva – pela única vez, o Mundial teve uma decisão por pontos num grupo final de quatro equipas. A vitória sobre o Chile (2-0) reforçou essa certeza.

A segunda ronda teve lugar em Belo Horizonte. Adversário: a equipa amadora dos Estados Unidos, formada à base de filhos de emigrantes como o haitiano Joe Gaetjens, o italiano Gino Pariani ou os portugueses John e Ed Souza.

Rapidamente o jogo se transformou num massacre, com oportunidades a surgirem em catadupa junto da baliza do pobre Frank Borghi, outro italiano. Só que Gaetjens, aos 38 minutos, tirou proveito de uma confusão na área da Inglaterra e marcou o golo que se manteve único até ao final. A palavra mais utilizada na imprensa britânica foi, naturalmente, “unbelievable”. Por causa da diferença horária, houve jornais que publicaram notícias sobre uma vitória inglesa por 10-0 ou 10-1, convictos de que teria havido problemas na transmissão tardia dos factos. A derrota seguinte com a Espanha, pelo mesmo resultado, já nem serviu para arrefecer ainda mais os ânimos.

A despeito de ter sido sempre uma das maiores potências do futebol mundial, nunca a Inglaterra obteve resultados brilhantes em fases finais de campeonatos do mundo, tirando obviamente naquele que realizou, em 1966, e do qual todos os portugueses sabem a história de cor e salteado, com as meias-finais a serem trocadas de cidades, obrigando Portugal a defrontar a equipa da casa em Wembley quando o jogo estava marcado para Liverpool. A final, frente à Alemanha, também ficaria para sempre marcada pelo golo-que-foi-mas-talvez-não-tenha–sido de Hurst, já no prolongamento, e validado pelo juiz de linha russo Tofik, coroando a categoria de Bobby Charlton, Bobby Moore e Gordon Banks.

A partir daí foi preciso esperar até 1990 para ver uma equipa inglesa, comandada por Bobby Robson e com jogadores como Paul Gascoigne, David Platt ou Gary Lineker, surgir numas meias-finais, perdidas no desempate por grandes penalidades para a Alemanha, que viria a conquistar esse Mundial. Agora, em Moscovo, 28 anos depois, a Inglaterra volta a sonhar com um título que foi ímpar e não deixou de ter profundas particularidades. À inglesa, enfim.