Esta cola aproxima e junta as partículas do solo em agregados, assim criando espaço vazios, que permitem ao solo armazenar mais água. Em climas como o mediterrânico, prevalecente em Portugal, com chuvas concentradas na parte do ano em que as plantas são menos produtivas (Outono e Inverno), esta capacidade de armazenamento de água é fundamental para que exista água no solo quando as plantas dela necessitam. É também fundamental para evitar que haja escorrimento superficial quando chove, assim evitando também a própria erosão do solo. Adicionalmente, a matéria orgânica é fonte de nutrientes para as plantas e de alimento para todos os organismos do complexo ecossistema que existe nos solos.
Os níveis de matéria orgânica dos solos em Portugal são dramaticamente baixos. Um estudo recente, de autores do Joint Research Centre, o organismo de investigação da Comissão Europeia, e da Universidade de Málaga, apurou mesmo que Portugal é o segundo país da União Europeia com os níveis mais baixos. A mobilização frequente do solo para sementeiras e controlo dos matos, os fogos, a desflorestação, e os processos erosivos que lhes sucedem, têm levado a esta perda dramática de matéria orgânica no solo.
Por outro lado, devemos considerar que, em média, 58% da massa de matéria orgânica é carbono. O carbono retido na matéria orgânica do solo é assim carbono que não está na atmosfera na forma de dióxido de carbono (na verdade, ele foi retirado da atmosfera através da fotossíntese das plantas, cuja biomassa, ao morrerem, é a fonte de matéria orgânica do solo). Aumentar a matéria orgânica do solo é assim uma forma de retirar dióxido de carbono da atmosfera, reduzir o efeito de estufa e assim combater as alterações climáticas. Para termos uma adequada perspectiva deste efeito, é bom termos em mente que os solos de todo em mundo têm 2 a 3 vezes mais carbono que a atmosfera.
A consciência da importância do papel da matéria orgânica do solo no combate às alterações climáticas levou em 2015 o governo francês, quando presidiu à cimeira do clima em Paris, a lançar a iniciativa 4 por 1000, com o objectivo de aumentar o armazenamento de carbono nos solos, a nível global, 0.4% por ano. Porquê este número? Porque este aumento de carbono nos solos seria suficiente para contrabalançar as emissões de dióxido de carbono devido à queima de combustíveis fósseis, estabilizando assim os níveis de dióxido de carbono na atmosfera.
Portugal assumiu um papel pioneiro nestas áreas através dos projectos Terraprima – Fundo Português de Carbono, promovidas pela Terraprima, spin-off do Instituto Superior Técnico, estabelecendo contratos com mais de 1000 agricultores, em mais de 100 mil hectares, para a promoção de práticas de gestão de pastagens que levam ao aumento da matéria orgânica do solo. O mais bem sucedido destes projectos, o projecto das Pastagens Semeadas Biodiversas (apresentado num curto filme), foi mesmo considerado pela Comissão Europeia como a melhor solução para o clima na Europa, em 2013, no âmbito do concurso “A World You Like with a Climate You Like”.
A Política Agrícola Comum, cujas regras pós-2020 se começam agora a discutir, dispõe de avultados recursos financeiros que poderiam remunerar os agricultores pelo aumento da matéria orgânica no solo, permitindo assim tornar duradouro o trabalho realizado nos projectos Terraprima – Fundo Português de Carbono e expandi-lo em área, número de agricultores e tipo de actividades. Seria assim possível conjugar o actual objectivo principal desta política de garantir o rendimento dos agricultores com o contributo para a preservação do solo e para o combate às alterações climáticas.
Tiago Domingos, Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico, CEO da Terraprima