Se é correto escrever que o anterior governo depauperou de forma decisiva as formas de intervenção pública na gestão territorial, garantindo a total prioridade do capital e da especulação em todos os territórios do seu interesse, também é justo dizer que, no atual contexto político, pouco se tem feito para o contrariar.
O que se passa no arrendamento urbano é paradigmático e Assunção Cristas, responsável pela lei das rendas que massificou os despejos, não hesita em ironizar, sem estar desprovida de razão, que, no essencial, a atual maioria manteve a sua lei e não dá mostras de querer alterá-la significativamente, apesar de a situação social exigir medidas urgentes e de rápido efeito.
Em boa verdade, o problema essencial reside numa leitura do urbanismo, da administração do território e do papel do Estado fortemente enraizada nos dogmas neoliberais de final do séc. xx, sendo a maioria dos técnicos dirigentes da administração pública atores do passado que não hesitam em repetir que aí vem o diabo sempre que se considera medidas estruturais progressistas ou experimentais que possam contrariar a lógica de pensamento único em que se habituaram a exercer as suas profissões.
Ao invés, os governos de cidades como Londres, Barcelona, Madrid, Nova Iorque, Amesterdão ou Paris, com governos constituídos a partir de propostas urbanas tidas, em Portugal, como radicais, irrealistas ou atentatórias do direito de propriedade ou do mercado livre, começam a desenhar políticas urbanas progressistas centradas na defesa do papel do Estado e das pessoas, na organização e desenvolvimento de novas formas de iniciativa de base cidadã, de cooperativismo e de coletivização do espaço público. Leia-se, a propósito, o artigo de opinião publicado no “Guardian” esta semana, assinado pelos presidentes de câmara de Barcelona e Londres, ou a reportagem do “El País” sobre o aumento exponencial de cooperativas na capital da Catalunha.
A aceleração com que as forças especulativas tomaram posições dentro das cidades portuguesas exige uma resposta urgente e robusta. Se os poderes públicos temem aplicá-la, enredados entre interesses e burocratas, importa organizar respostas de base que possam, em primeiro lugar, fazer frente à especulação e à mercantilização da cidade.
Escreve à segunda-feira