Vale da Rosa.   O segredo das uvas sem grainha

Vale da Rosa. O segredo das uvas sem grainha


São uma tendênciaque tem ganho espaço no mercado internacional. Alguns países já só consomem uvas sem grainha. Em Portugal, são a grande aposta da marca Vale da Rosa. O i foi conhecer a herdade onde são produzidas e falou com o proprietário 


Alvo de muita curiosidade e dúvidas, as uvas sem grainha – que muitas pessoas pensam tratar-se de um produto geneticamente modificado – sempre existiram e são um produto natural. Contudo, eram muito pequenas e pouco apetecíveis para os consumidores e ainda menos para os produtores, sendo apenas usadas para a produção de passas. A verdade é que, nos últimos anos, ganharam um novo protagonismo e o segredo está no melhoramento do produto. Hoje em dia há países que consomem apenas este tipo de uvas e a tendência parece estar a crescer a nível mundial.

Em Portugal, as uvas sem grainha são a grande aposta da marca Vale da Rosa. O projeto começou em 2000, quando António Silvestre Ferreira ficou à frente da propriedade da família. “O meu pai plantou aqui, na Herdade do Pinheiro, a grande vinha de uvas de mesa de Portugal, eram 400 hectares – isso foi em 1965. Na sequência do 25 de Abril, a propriedade foi ocupada e nós fomos para o Brasil, onde demos continuidade à atividade de plantação de uvas de mesa. Alguns anos depois de expropriados, deram a propriedade de novo aos meus pais e eu continuei no Brasil a tomar conta das nossas coisas, e os meus pais vieram. O meu pai faleceu em 2000 e então eu vim de novo para Portugal, 22 anos depois de ter ido, e recebi de herança terras e 100 hectares de vinha, neste sistema de parreiral italiano que nós temos com os plásticos e as redes”, explica o administrador ao i.

O negócio cresceu e atualmente já conta com 250 hectares. Apesar de também vender outros tipos de uvas, metade da produção da marca Vale da Rosa corresponde a uvas sem grainha. “Eu comecei com a produção das uvas sem grainha no Brasil. Quando voltei, já tinha esse conhecimento e Portugal ainda estava muito tímido nessa área. Porque acredito no futuro das uvas sem grainha, dedicámo-nos com muita paixão a essa atividade e realmente tenho a felicidade de termos conseguido desenvolver um bom projeto”, afirma Silvestre Ferreira.

Até agora, o negócio tem sido rentável, mas, para o proprietário, “não tão rentável como poderá vir a ser”. “Acredito que com o aumento da área de produção consigamos rentabilizar bem mais. É uma atividade na qual eu vejo realmente futuro”, defende.

Para o proprietário, cuja formação é em medicina veterinária, um dos feitos mais importantes foi a construção da marca. “O Vale da Rosa é uma marca conceituada no mercado. Nós estamos em todos os supermercados. É uma marca respeitada no nosso país e também fazemos um bom trabalho no mercado internacional, particularmente com o Marks & Spencer, em Inglaterra, que é o nosso maior cliente e mais antigo – já o meu pai exportava para eles”, indicou.

A empresa tem feito uma forte aposta na exportação. Além de Inglaterra, exporta para outros países europeus, como França, mas também para fora da Europa – Angola e China, por exemplo. 

Nos últimos tempos, o foco principal tem sido o mercado francês. “Já exportamos há muitos anos para lá e vemos ali condições para absorver a marca Vale da Rosa, porque nós exportamos a marca. Não é propriamente a commodity que nos interessa. Não é apenas vender uvas que é interessante para nós, mas sim vender as uvas Vale da Rosa, ou seja, de melhor qualidade e, naturalmente, com um preço acrescido”, justifica António Silvestre Ferreira. 

 

Trabalho de “seleção, seleção, seleção” O objetivo da Vale da Rosa é ter uvas de qualidade e, por isso, o administrador afirma que é preciso “um trabalho de seleção, seleção, seleção”. “Isso pressupõe também a necessidade de termos muita gente a trabalhar. Temos centenas de pessoas a trabalhar connosco – agora são mais de 600 e ainda não começámos a vindima. Essas pessoas estão exatamente a fazer seleções, a tirar cachos ou bagos que não estão nas condições que queremos para que o produto fique mais bonito e saboroso. Trabalhamos muito intensamente na procura da qualidade”, explica.

António Silvestre Ferreira afirma que as uvas também se produzem sem estas operações de seleção; contudo, a Vale da Rosa quer ter uma qualidade que a diferencie de outras marcas. “As uvas que estão em cima, nas videiras, e não nos agradam vão para o chão. Depois vamos fazer a seleção de bagos, porque o cacho deve ter um determinado número de bagos e o que extrapola sai, e os cachos menos bonitos também saem”, refere.

Além do trabalho nas vinhas, o administrador afirma que também é muito importante “explicar o nosso trabalho aos clientes, fazer promoções e degustações e apostar no marketing”. “Claro que isto tudo tem custos acrescidos, mas o nosso trabalho não é, como costumo dizer, vender chocolates, é vender Ferrero Rocher, ou seja, chocolates especiais”, brinca.

Para Silvestre Ferreira, o futuro da região do Alentejo e do país em geral no mercado internacional passa exatamente pela aposta na qualidade e nos produtos gourmet. “Não podemos concorrer em quantidade – porque nós somos pequenos -, mas podemos fazê–lo em qualidade. Os lugares gourmet são nossos, porque temos sabor. É por aí que Portugal e esta região do Alqueva, particularmente, podem crescer, desde que o façamos com profissionalismo”, alerta.

Além da qualidade dos terrenos e do clima, que permitem que os produtos portugueses tenham mais sabor que os de outros países, o administrador da marca Vale da Rosa salienta que “Portugal está na moda e, portanto, hoje também é mais fácil vender um produto português do que era há algum tempo. E depois, sendo bom, as pessoas voltam a comprar”.

 

Colheita atrasada A colheita das uvas é feita durante cinco meses. Este ano está atrasada e, por isso, deverá começar apenas no dia 9 de julho, estando previsto que dure até ao fim de novembro. “O atraso deve-se ao clima. Não houve calor, o que não permitiu que as uvas crescessem. A falta de calor foi o principal motivo para o atraso, porque normalmente faz calor mais cedo, logo em maio. As uvas precisam de sol e calor e, na altura da colheita, não gostam nada de chuva”, explica António Silvestre Ferreira.

Mas há males que vêm por bem. O proprietário afirma que o atraso na colheita trouxe mais qualidade às uvas. “Foram criadas com menos stresse e com menos esforço, o que fez com que se desenvolvessem muito bem”, refere.

Na altura da colheita há mais trabalho e a empresa pode chegar a ter cerca de mil funcionários. “Isso torna-nos o maior empregador da região, o que é muito dignificante para o Vale da Rosa. É um fator de diferenciação importante. Nessa altura da vindima vêm todas as pessoas que nós podemos trazer da região, mas como não são suficientes temos de trazer também alguns estrangeiros. Mas o importante para nós é que os nossos venham, porque vão-se tornando especialistas e, como este trabalho é um trabalho de especialidade, os estrangeiros que vêm não têm esse conhecimento que os nossos têm. Temos de os preparar, o que torna a atividade mais dispendiosa”, explica o administrador.

Além das pessoas que, nessa altura, vão até à Herdade do Vale da Rosa para trabalhar, há também quem vá apenas visitar. “Trazemos milhares de pessoas ao Vale da Rosa que vêm conhecer as vinhas. Tem sido uma bonita novidade para nós que tantas e tantas pessoas venham ao Vale da Rosa para nos visitar e para conhecer o nosso trabalho. Essas pessoas acabam sempre por ser divulgadores do nosso bom nome, o que para nós é muito importante”, afirma Silvestre Ferreira. 

A empresa Vale da Rosa é uma empresa familiar. António Silvestre Ferreira herdou as vinhas do pai e agora tem também os filhos a trabalhar no projeto. “Tenho quatro filhos e todos eles tiraram cursos relacionados com a atividade e todos eles trabalham comigo. A Carolina, a mais velha, é advogada e faz a parte administrativa e jurídica. Os meus dois filhos que vêm a seguir são agrónomos e trabalham connosco também. A mais nova é de marketing e trabalha na parte turística, que agora estamos a desenvolver mais e com muito sucesso. Estou muito contente com o facto de os meus filhos trabalharem comigo porque vejo o futuro encaminhado”, refere o empresário.

 

Forte aposta no turismo A nova aposta da Herdade do Vale da Rosa é o turismo, não só para dinamizar o negócio como para revitalizar o Alentejo. O objetivo é conseguir atrair visitantes que queiram visitar as vinhas e conhecer o produto, mas também que estejam interessados em passar algum tempo na região. “Para nós há uma componente social muito importante. Por isso desenvolvemos parcerias com autoridades aqui no território, da área da restauração, do alojamento ou da animação. Não queremos substituí-los. Pelo contrário, queremos que os nossos visitantes fiquem nos alojamentos do território e visitem os restaurantes da região”, explica Nuno Coelho, diretor de turismo do Vale da Rosa. 

Para que isso aconteça, a empresa decidiu não investir em hotéis ou restaurantes, “o que é normalmente um passo dado pelos produtores de vinhas aqui do território”. “Temos tido uns resultados excecionais. As pessoas estão muito satisfeitas. É um território que tem uma baixa densidade populacional e pouca atratividade turística e, de repente, passou a ter mais 20 mil visitantes por ano, e isso sente-se na economia local”, explica o responsável pela parte turística do Vale da Rosa.

A Herdade do Vale da Rosa está aberta a visitas todos os dias, durante todo o ano. “A nossa aposta passou por organizar um conjunto de experiências e visitas aqui na herdade que incluem ver as nossas uvas, apanhar e levar para casa e passear de trator pelas vinhas”, esclarece Nuno Coelho.

O projeto é recente e, neste primeiro ano, o objetivo é ter cerca de 20 mil visitantes. Neste momento, a herdade está a receber uma média de 1500 a 2 mil pessoas por mês. Durante o verão, o número de visitantes tende a aumentar e a herdade já conta com a marcação de visitas de cerca de 3500 pessoas por mês. 

As visitas podem ser feitas individualmente ou organizadas em grupo. “Recebemos muitas escolas com crianças, desde o primeiro ciclo até cursos profissionais ligados à agricultura. Recebemos também muitas universidades seniores e muitos grupos organizados pelas juntas de freguesia. Além disso temos ainda muitas visitas técnicas ligadas à produção agrícola, visto que a Vale da Rosa tem uma componente de investigação e de primazia na parte científica que atrai muitos produtores”, explica o responsável.

A maioria das pessoas que visitam a herdade são portuguesas (80%), mas também há visitantes estrangeiros, principalmente turistas que estão alojados no Alentejo, no Algarve ou mesmo em Lisboa.