A última vida de Santana


A desistência de PSL em face do projeto do PSD poderá anunciar uma cisão e uma possível tríade no centro-direita ou um fracasso equiparável à ASDI?


O anúncio da desistência de Santana Lopes do projeto político-partidário do PSD, apanhado para já sem grandes fulgores, pode ser mais do que parece. Acima de tudo, será uma atitude preventiva para a reconfiguração da direita que venha a surgir depois das legislativas de 2019, nomeadamente num quadro de falência da proposta de Rui Rio e da continuidade dos acordos do PS à esquerda. Depois, será, a confirmar-se na sua globalidade e poder de atração, o prenúncio de uma cisão do partido fundado por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota. De tal modo que – atento o resultado que Santana Lopes obteve na contenda com Rui Rio pela liderança do partido, que ficou praticamente dividido ao meio e com tropas desavindas pelo caminho – poderá ser equiparável à dissidência que resultou, em 1979, na criação da ASDI. Então, o objetivo era virar o PSD para a esquerda; agora, o argumento de uma iniciativa de Santana poderá ser capitalizar o facto de o PSD de Rio estar a voltar-se demasiado para o PS – portanto, para uma lógica de “bloco central” contra a qual se revolta. A ASDI fundou-se num leque alargado de personalidades de relevo, mas não conseguiu impor-se (desde logo porque não resistiu ao furacão inicial da AD e, no fim, porque as urgências do país ditaram a coligação de Mário Soares com Mota Pinto). A aspiração de Santana terá sempre uma base personalista, mas visará impor-se no ensejo de agregar vontades e competências que estão há muito desaparecidas. E só assim poderia ter peso suficiente (não é preciso muito) para condicionar o equilíbrio dos players à direita e a sua posição relativa no parlamento. É um risco e é uma imprevisibilidade. Quase todos auguram insucesso e frustração. Falta saber se a intuição e a capacidade de prognose de Santana e dos seus próximos correspondem ao registo de um facto básico e subjacente: o PSD deixará de ser viável como partido dominante num esquema dual esquerda-direita. E ainda saber se outra verificação poderá concretizar-se: a falta de reação de um certo PSD adormecido (mesmo o mais fidelizado) e a consequente migração e/ou a conquista de votos. 

Tudo junto, não é de menosprezar o efeito da (possível) última vida de Santana que, na verdade, não concentra a sua matriz originária apenas num nicho de descontentes em busca de outra vida. Além do mais, Santana e os seus, para além de 2019, estarão também a pensar no fim do segundo mandato de Marcelo. Tudo ponderado, poderemos ter o PSD a passar por um desafio análogo ao desa-parecimento precoce de Sá Carneiro e à saída de Cavaco Silva. E o CDS sujeito a mais uma prova de vida, entalado numa tríade de efeitos incontroláveis. Suponhamos que um novo partido “santanista” ia às eleições europeias e, qual teste de diagnóstico, arrancava um resultado surpreendentemente positivo, num ato eleitoral que, tipicamente, exige menos compromisso partidário dos eleitores? Se fosse e o resultado fosse desastroso, o novo partido acabaria logo ali. Para não ser assim, o rearranjo pretendido do centro-direita só produzirá consequências se houver crescimento. Haverá condições? É este o tempo certo para abanar a conservação partidária de anos a fio? A dicotomia continua a existir, o que mudou foi o peso relativo de cada um dos partidos dos dois lados da fronteira. E, nesse entretanto, a capacidade dos partidos “influenciadores” e, em certo sentido, “controladores”. Santana deverá ter desistido de ser “liderante”. Mas continua a querer algo mais do que apenas andar por aqui.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsultor

Escreve à quinta-feira


A última vida de Santana


A desistência de PSL em face do projeto do PSD poderá anunciar uma cisão e uma possível tríade no centro-direita ou um fracasso equiparável à ASDI?


O anúncio da desistência de Santana Lopes do projeto político-partidário do PSD, apanhado para já sem grandes fulgores, pode ser mais do que parece. Acima de tudo, será uma atitude preventiva para a reconfiguração da direita que venha a surgir depois das legislativas de 2019, nomeadamente num quadro de falência da proposta de Rui Rio e da continuidade dos acordos do PS à esquerda. Depois, será, a confirmar-se na sua globalidade e poder de atração, o prenúncio de uma cisão do partido fundado por Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota. De tal modo que – atento o resultado que Santana Lopes obteve na contenda com Rui Rio pela liderança do partido, que ficou praticamente dividido ao meio e com tropas desavindas pelo caminho – poderá ser equiparável à dissidência que resultou, em 1979, na criação da ASDI. Então, o objetivo era virar o PSD para a esquerda; agora, o argumento de uma iniciativa de Santana poderá ser capitalizar o facto de o PSD de Rio estar a voltar-se demasiado para o PS – portanto, para uma lógica de “bloco central” contra a qual se revolta. A ASDI fundou-se num leque alargado de personalidades de relevo, mas não conseguiu impor-se (desde logo porque não resistiu ao furacão inicial da AD e, no fim, porque as urgências do país ditaram a coligação de Mário Soares com Mota Pinto). A aspiração de Santana terá sempre uma base personalista, mas visará impor-se no ensejo de agregar vontades e competências que estão há muito desaparecidas. E só assim poderia ter peso suficiente (não é preciso muito) para condicionar o equilíbrio dos players à direita e a sua posição relativa no parlamento. É um risco e é uma imprevisibilidade. Quase todos auguram insucesso e frustração. Falta saber se a intuição e a capacidade de prognose de Santana e dos seus próximos correspondem ao registo de um facto básico e subjacente: o PSD deixará de ser viável como partido dominante num esquema dual esquerda-direita. E ainda saber se outra verificação poderá concretizar-se: a falta de reação de um certo PSD adormecido (mesmo o mais fidelizado) e a consequente migração e/ou a conquista de votos. 

Tudo junto, não é de menosprezar o efeito da (possível) última vida de Santana que, na verdade, não concentra a sua matriz originária apenas num nicho de descontentes em busca de outra vida. Além do mais, Santana e os seus, para além de 2019, estarão também a pensar no fim do segundo mandato de Marcelo. Tudo ponderado, poderemos ter o PSD a passar por um desafio análogo ao desa-parecimento precoce de Sá Carneiro e à saída de Cavaco Silva. E o CDS sujeito a mais uma prova de vida, entalado numa tríade de efeitos incontroláveis. Suponhamos que um novo partido “santanista” ia às eleições europeias e, qual teste de diagnóstico, arrancava um resultado surpreendentemente positivo, num ato eleitoral que, tipicamente, exige menos compromisso partidário dos eleitores? Se fosse e o resultado fosse desastroso, o novo partido acabaria logo ali. Para não ser assim, o rearranjo pretendido do centro-direita só produzirá consequências se houver crescimento. Haverá condições? É este o tempo certo para abanar a conservação partidária de anos a fio? A dicotomia continua a existir, o que mudou foi o peso relativo de cada um dos partidos dos dois lados da fronteira. E, nesse entretanto, a capacidade dos partidos “influenciadores” e, em certo sentido, “controladores”. Santana deverá ter desistido de ser “liderante”. Mas continua a querer algo mais do que apenas andar por aqui.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsultor

Escreve à quinta-feira