Marius e Cristinel estão sentados no banco dos réus e vão trocando palavras em romeno. A advogada de defesa deixou-os sozinhos para ir à máquina do café à entrada do tribunal. Regressa à sala de audiências pouco depois, semi-esbaforida. Já lá estão a juíza, o procurador e a intérprete contratada para traduzir o julgamento.
Os dois arguidos confessam logo o crime. Confirmam como, a 21 de junho, não muito longe do Castelo de São Jorge, roubaram uma carteira a uma turista alemã [que horas depois, na esquadra, haveria de entrar em conflito com a polícia. Precisava de apanhar o avião de regresso à Alemanha e os agentes não paravam de a inundar com formulários e mais formulários para preencher. A dada altura, a queixosa, em desespero, já dizia que não queria queixar-se. Só queria ir-se embora e parar de assinar folhas].
Marius confessa que se aproximou por trás, abriu a mala e tirou a carteira lá de dentro, enquanto Cristinel ficou entregue à parte da vigia. O furto rendeu 116,65 euros, mas o lucro durou pouco: por azar ou falta de jeito, três agentes da PSP estavam a assistir a tudo e seguiram-nos, a pé. Assim que Marius se apercebeu dos polícias desatou a correr num jeito desengonçado, meio alucinado, e atirou a carteira para longe. Acabou detido e Cristinel também. Pouca sorte.
Foi assim que a dupla acabou em tribunal, apostada em comover a juíza. A primeira performance é a de Marius, que conta vagarosamente como a mulher, recém–chegada a Portugal, está desempregada. E como deixaram os quatro filhos para trás, na Roménia. Segue-se Cristinel, olhos mansos, a desfiar um rosário parecido. Vive com Marius num hostel e pagam cinco euros por noite. Não tem trabalho e a vida está muito difícil. A advogada aposta na mesma estratégia: “Eles vivem em família, ainda que numa pensão, meritíssima juíza”; “o crime já tem alguns dias, eles estiveram em liberdade e, mesmo assim, vieram a tribunal, o que mostra que não fogem à justiça”; “não há nada no registo criminal deles, foi um momento de fraqueza, sotora”. Mas a juíza parece pouco convencida. “Mais alguma coisa a dizer em vossa defesa?”, pergunta.
“Lamentamos muito o que fizemos”, diz Marius.
Ouvem-se risos e a juíza franze o sobrolho.
“Mas os senhores estão-se a rir?”
De facto, Marius e Cristinel riem a bandeiras despregadas. Cristinel tenta esconder, pondo as mãos no rosto; Marius soluça baixinho, a conter as gargalhadas. “Estou com dores de dentes”, tenta justificar Cristinel. Marius olha-a e ri ainda mais. Cristinel olha-o de volta e solta outra gargalhada.
“Os senhores estão a ser julgados, se isto para vocês tem graça… lá terão as vossas razões. Não me parece que arriscar três anos de cadeia seja engraçado”, ameaça a juíza. Os arguidos continuam a contorcer-se de riso. “Se não pararem com esse comportamento, vou ter de os mandar tirar da sala. O tribunal louva a vossa descontração.”
Por segundos, Marius e Cristinel parecem sossegar e a juíza começa a ler a sentença, entre cochichos e risinhos, até perder a paciência. “Os senhores não podem falar. Já nem digo que seja por estarem num tribunal. É uma questão de educação.”
“Sim, sim, desculpe”, responde Cristinel.
“Estou a proferir a vossa sentença. Já percebi que não estão interessados, mas assim não pode ser. O tribunal a proferir a sentença e vocês a rirem-se? Como estava a ler… ficou tudo provado e…”
Prestes a ouvir o seu destino, a dupla de carteiristas faz finalmente silêncio. E a juíza faz contas de merceeiro em voz alta: 120 euros de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz 600 euros, mais as custas do processo, mais 150 euros para pagar à intérprete. A cada um.
Acaba o julgamento e a juíza ordena a entrada do próximo arguido. Mas os trabalhos não podem prosseguir porque a advogada e a intérprete não estão na sala de audiências. Estão à porta, do lado de fora, com Marius e Cristinel, os dois deprimidos e de cabeça murcha. A reprimenda ouve-se do interior. “Isto foi falta de respeito. Ela deu-vos uma multa muito mais pesada por se estarem a rir”, grita a advogada. Boa disposição em excesso pode acabar mal.