O país tem andado nos últimos tempos entretido com o futebol, quer com os jogos do Mundial, quer com a telenovela Bruno de Carvalho. Tal impediu que se tivesse prestado atenção às grandes modificações na situação política, levando a que presentemente exista um impasse no país que atinge, curiosamente, não apenas a geringonça, mas também o maior partido da oposição.
Em relação ao governo, verifica-se que a execução orçamental já conheceu melhores dias, o que levou Mário Centeno a reforçar as cativações. Mas os partidos da geringonça começaram a falhar no apoio ao governo, como se verificou agora na revogação do adicional ao imposto sobre os combustíveis. Independentemente de a mesma não poder entrar em vigor no presente ano económico, em virtude da previsão constitucional da lei-travão, torna-se claro que o governo já não tem apoio do parlamento para a sua política orçamental. Pelo contrário, o que tem vindo a verificar-se é uma multiplicação do número de greves e de reivindicações de diversos sectores sociais, que os partidos de extrema-esquerda têm vindo sucessivamente a apoiar. Não parece, por isso, haver grandes perspectivas de a geringonça vir a aprovar o Orçamento para 2019, apesar do apelo do Presidente para a sua aprovação. E não se venha dizer que os partidos de extrema-esquerda não se vão arriscar a uma crise política, com receio de serem penalizados. Quer–se maior penalização do que aquela que o PCP sofreu nas últimas autárquicas, enquanto apoiou este governo, tendo perdido 20 câmaras?
Mas o principal partido da oposição não tem vindo a capitalizar com a crise que surgiu na área da geringonça, parecendo, pelo contrário, apostar numa estratégia de entente cordiale com o governo. É assim que surgem todos os dias sinais de apoio ao governo na área do PSD. Quando o acordo de concertação social que o governo conseguiu foi rejeitado pelos seus parceiros da geringonça, Rui Rio garantiu que o mesmo seria aprovado pelo PSD, apesar de reverter a reforma laboral do governo anterior. Logo a seguir, Silva Peneda admitiu a aprovação pelo PSD do Orçamento para 2019 caso a extrema-esquerda falhasse no seu apoio ao governo, a pretexto do “respeito pelo cumprimento dos mandatos”. Cabe perguntar a Silva Peneda se os mandatos também foram respeitados quando a geringonça aprovou uma moção de censura ao governo do PSD/CDS, levando à sua queda. E, por último, Rui Rio insurgiu-se contra o facto de o PSD ter votado ao lado do CDS na revogação do adicional ao imposto sobre os combustíveis. Parece assim que o PSD deveria ter votado antes ao lado do PS, apoiando António Costa quando os apoios que ele arranjou para o seu governo lhe falham rotundamente. Tudo isto demonstra uma forma muito peculiar de o PSD fazer oposição.
Temos assim, presentemente, um governo do PS que já não tem o apoio parlamentar em que se baseou e uma oposição do PSD que deixou de querer derrubar esse governo. É difícil imaginar maior impasse político no nosso país.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção
das regras do acordo ortográfico de 1990