Lisboa, junho de 2018
Caros bebés,
Permitam-me que os trate assim, dada a familiaridade que, apesar de não vos conhecer um a um, sinto em relação à vossa geração. Estou a falar dos nascidos entre 1 de julho de 2017 e 26 de junho de 2018.
Em primeiro lugar, vai uma saudação para todos vós e respetivos pais – numa época em que nascer parece quase uma ofensa às leis da natureza, de tão raro e tão programado, ainda bem que estão aí, vivinhos da costa, prontos para grandes empreendimentos neste verão (que não turísticos e de betão, nas poucas praias que nos restam, espera-se…).
Mas é mesmo a propósito de praias que vos escrevo esta carta. Vocês vão querer aproveitar esta época. O pior é que, muitas vezes, os vossos pais, das duas uma: ou vos limitam desnecessariamente os movimentos ou expõem-vos a situações de risco para a vossa saúde. Assim, aqui vão algumas dicas face à época balnear que se aproxima.
Praia – palavra mágica nesta altura do ano, em que os vossos pais já “deitam o emprego pelas orelhas”. Não têm notado que eles andam muito mais irritados, com pouca paciência para aturar o vosso choro, as filas de trânsito e as crises dos clubes de futebol? Pois, a culpa não é vossa, é da estação do ano. E quantos de vós não estarão igualmente fartos do infantário ou da ama, desejando dizer “arrivederci, até qualquer dia”? Pois surgiu a oportunidade.
Uma das questões que se levantam aos vossos pais – não sei se o assunto é discutido em família e se a vossa opinião é minimamente escutada, mas enfim… – é saber se podem ou não levar-vos para a praia. Com a história do ozono ou da falta dele, as radiações, o cancro, etc., etc., passou-se da inconsciência absoluta para o fundamentalismo de sinal contrário. “Praia? Que horror!” “Só a partir dos dois anos” – acrescentam alguns doutos médicos. Habituem os vossos progenitores a que bom senso, lucidez e cabeça fria resolvem bem 90% dos problemas. É claro que, quando se pensa em praia, há que pensar igualmente no que se tem de fazer para lá chegar e se as horas passadas à beira-mar se fazem à custa de outras tantas horas metidos em carros quentíssimos, autênticos fornos crematórios, em filas de trânsito intermináveis, com o respetivo mau humor dos adultos – se for assim, é capaz de não valer a pena o esforço.
Poderá um bebé ir para a praia? Se vos fizerem esta pergunta, respondam logo com outra: “Porque não?” As indicações dos vossos médicos deverão sempre ser seguidas – eles conhecem-nos melhor, e claro que há regras que convém observar para que as coisas corram bem.
Os bebés muito pequenos (pelo menos até aos dois meses) não devem ir à praia e expor-se ao sol, o que não quer dizer que não possam estar em locais do litoral ou dar um passeio à beira-mar ou estar numa esplanada, num fim de tarde ameno e sem vento e sem nevoeiro, com temperaturas agradáveis, sem barulho demasiado. Há que ver com bom senso quais as alternativas e, seguramente, ficar fechado o dia todo num apartamento quente dentro de uma cidade poluída, por exemplo, é bastante pior para a saúde física e mental. Os requisitos ambientais é que mandam!
Devem evitar-se as horas de maior radiação, ou seja, entre as 12h e as 17h, por causa da radiação ultravioleta e do calor – mas convém diferenciar as duas coisas, radiação e calor. Há dias até nem muito quentes, seminublados, em que a luminosidade é muita e os raios ultravioletas fazem reflexo na areia e nas nuvens, aumentando bastante os níveis de radiação. Todavia, há também praias (norte e centro do país) onde antes do meio-dia está um nevoeiro de cortar à faca e onde, depois das seis, a nortada não deixa ninguém sossegado. Nesse caso, há que ponderar muito bem a situação.
Aliás, é isso mesmo que se deve fazer: avaliar cada dia e cada praia por si, tendo como regra geral aquele horário, mas, para a mesma praia, os critérios podem mudar todos os dias, conforme o vento sopra de norte, de levante, de leste ou nem sequer sopra, se está nublado ou não, se a luz é extremamente forte e branca ou mais doce e temperada, etc., etc.
Já que o que está em causa são (principalmente) vocês, bebés, convém que os vossos pais atentem no modo como estão a reagir à praia: se estão a ficar muito encarnados, irritados, impacientes, ou seja, a “pedir” para ir para casa, ou se, pelo contrário, adormecem calmamente à sombra ou estão simplesmente “a ver quem passa”. Deem essa indicação aos vossos pais para ver se eles percebem. Em alternativa, nos casos em que vos apetece ir embora e eles não arredam pé, um bom choro é sempre eficaz, quanto mais não seja pela vergonha que passam em relação aos outros banhistas…
Em resumo, não deve ser o relógio o único a mandar na família, mas o estado geral das coisas e a vossa pequenina, mas douta, opinião – deem-na sem timidez!
Um outro aspeto de importância fundamental e que não devem deixar passar ao lado é, claro, o creme protetor. Já viram, caros bebés, algum filme passado em praias paradisíacas em que os atores não se besuntem com cremes? Aquela cena do galã a encher de creme as costas da atriz principal debaixo dos olhos invejosos da atriz secundária é por demais conhecida… e vocês não são menos do que eles. Exijam creme. Creme protetor – grau 50, de uma marca qualquer, em spray para ser mais fácil, mesmo que a ciência em laboratório diga que é melhor o XPTO mineral que acaba por se aplicar mal (e, de tão difícil que é fazê-lo, ninguém o repõe ao longo do dia). Convém ser aplicado meia hora antes da ida à praia, e não apenas na cara, que vocês, bebés, fazem também topless, bottomless e todos os “lesses”, e a vossa pele ainda não está “endurecida pelos azares da vida”. O risco de envelhecimento precoce da pele e de aparecimento de cancro está relacionado com o sol que se apanha em criança. Do mesmo modo, aconselho o uso de óculos de sol, porque a ação dos ultravioletas sobre a retina não é pequena e as crianças, por estarem “no andar de baixo”, olham muito mais vezes para cima, podendo apanhar maior radiação através do globo ocular.
De qualquer forma, não convém que os pais vos exponham ao sol direto, pelo menos até começarem a gatinhar e serem vocês mesmos a tomar esse “comportamento de maior risco”, associado, afinal, a uma necessária exploração do mundo – e, mesmo assim, eles deverão ir buscá-los de imediato. Um bebé à sombra (salvo quando vai tomar um banho, e sempre debaixo de chapéu ou toldo e nunca dentro de uma barraca) é um bebé mais feliz, podem ter a certeza. O uso de chapéu é também uma boa rotina.
Continuaremos a falar deste assunto na próxima semana.
Até lá!
Pediatra
Escreve à terça-feira