O reverso da mediatização dos factos políticos e judiciais está em que, uma vez ocorrida, passa a pertencer ao mundo dos média a gestão do seu sentido e a sua utilidade.
Ora, nem o sentido original de alguns desses factos é, exatamente, aquele que os média lhes dão e depois transmitem, nem o uso que deles é feito coincide, por vezes, com a sua razão de ser inicial.
Não quero com isto dizer que, por princípio, os média procurem adulterar a realidade dos factos ou os queiram, voluntariamente, interpretar contra o seu significado real.
A questão é mais complexa do que isso.
Ela reside em os média terem uma lógica própria que expõe significados e coloca interesse em aspetos menos evidentes dos factos que relatam – pelo menos, para quem os produziu -, frustrando frequentemente, desse modo, a perceção essencial dos mesmos pelo público.
Dito de outro modo, mediatizado um facto, este passa a conter características que o diferenciam da sua condição anterior à mediatização: passou a ser, de algum modo, um outro facto e cumprindo, por isso, um outro desígnio.
O desígnio do facto mediatizado ganhou, assim, autonomia em relação ao seu genitor.
Este fenómeno é mais flagrante quando, por exemplo, quem mediatiza o facto não consegue, por ausência de formação específica, alcançar a sua realidade essencial, ou, pior, quando procura extrair dele um significado relativamente secundário para o seu autor, mas mediaticamente relevante para o público.
Tal circunstância torna ainda a mediatização de tais factos passível de mais facilitadas manipulações.
A apropriação do conteúdo e do significado dos factos políticos e jurídicos (especialmente quando estes também têm, em última análise, sentido político) e a sua transfiguração pelos média constituem, por isso, campo privilegiado na formação da opinião pública.
Isso tanto pode suceder, porém, sem uma razão predeterminada e apenas pelo livre decurso do enfoque (ou desfocagem) inicial da notícia relativamente ao facto essencial como pode ainda inserir-se numa estratégia alheia aos próprios média e que eles não conseguem controlar.
Quem quer que jogue na mediatização dos factos – e agora refiro-me especialmente aos factos jurídicos – sem saber conferir os efeitos que antes expus corre, por isso, um risco enorme de ver desvirtuado o seu sentido primordial e, consequentemente, o efeito que com tal mediatização se pretendia alcançar.
Isto, tanto mais que a linguagem jurídica é dificilmente traduzível para a linguagem mediática.
Saber jogar esse jogo exige, portanto, grande habilidade, pois, de outra maneira, ele pode tornar-se pernicioso para quem nele se envolve.
Pelo contrário, quem o sabe fazer, agindo, inclusive, propositadamente à revelia do significado essencial que o facto revela, consegue não raro passar para a opinião pública uma mensagem que só marginal e indiretamente tal facto pode também admitir: uma mensagem desfigurada do facto, mas fundamental para os interesses de quem a quer transmitir.
Nos últimos anos, pese embora uma muito maior profissionalização dos jornalistas que mediatizam questões relacionadas com a vida político-judiciária, tem-se assistido, ainda assim, à dificuldade que alguns deles realmente sentem em não se deixar envolver em manobras de manipulação do sentido real dos factos que noticiam.
Não raro, deparamos, efetivamente, com factos que apenas revestem uma natureza de detalhe jurídico – importante, sem dúvida, desse ponto de vista -, mas que se veem arvorados, com um significado transcendente, em tema de relevância político-mediática que, afinal e verdadeiramente, o seu sentido inicial não consente.
Escreve à terça-feira