A idade traz-nos um acréscimo de tolerância na vida privada e a falta de paciência para muito do que é dito e feito na praça pública, nacional e internacional. Há uma persistente falta de pachorra para a conversa pública destinada a entreter, a ocultar ou a ludibriar os mais incautos, num contexto em que os bloqueios estruturais subsistem com resiliência incorporada, os fogachos destinam-se a pouco mais do que o momento ou a circunstância e se continua a incorrer em erros que se sucederam ano após ano, com resultados desastrosos ou entediantes.
De que valem as proclamações de importância do Serviço Nacional de saúde ou da escola pública se o foco principal não está colocado no utente/doente ou no aluno/estudante? São fins em si mesmos ou destinados a alguém?
De que vale proclamar a relevância do papel do Estado se a indigência funcional, tocada a cativações, tomou conta do funcionamento de boa parte dos serviços públicos do Estado em funções relevantes para os indivíduos e para as comunidades? De que valem os discursos sobre a proximidade ou de descentralização se se insiste num afastamento de serviços físicos em favor de respostas digitais, desmaterializadas, ao alcance de apenas alguns?
De que vale enunciar a inversão da tendência de décadas, com a valorização dos territórios do interior, se depois, nas opções políticas concretas, a narrativa é contrariada? Por exemplo, é apostar no interior deixar de fora do Programa Nacional de Investimentos (PNI2030), que define as prioridades dos investimentos infraestruturais estratégicos de médio e longo prazo nos setores da mobilidade e transportes, ambiente e energia, a modernização do troço ferroviário entre Beja e Casa Branca, depois de não ter sido contemplada no Portugal 2020?
A bota não bate com a perdigota demasiadas vezes e, no entanto, há uma crescente conformação com as indignas insistências na falta de rigor, nas narrativas tolhidas por interesses partidários, no desrespeito pela dignidade humana e na leviandade na gestão dos recursos. Na linha do que afirmou Jordi Soler, sob o ponto de vista do desenvolvimento humano e das sociedades, será medíocre que, depois da imposição da volatilidade e da velocidade como ritmos do nosso quotidiano, se possa modelar a verdade e consagrar as diversas faces da mentira na vida pública sem que ninguém se escandalize.
Na substância, no tempo e no modo há uma insuportável persistência de situações intoleráveis à luz dos valores de referência do mundo ocidental, como o comprovaram vários exemplos nacionais e os recentes episódios no Mediterrâneo, com os refugiados, e na fronteira entre os Estados Unidos da América e o México.
Apesar da volatilidade e da velocidade do quotidiano, as instituições teimam em ser demasiado lentas a agir e reagir à realidade e a sintonizarem–se com as verdadeiras necessidades das pessoas e das nações.
Após o Banco Central Europeu ter decidido a data do fim do programa de compras, a Comissão Europeia avançou com o processo que vai permitir prolongar as maturidades do empréstimo a Portugal. É a concretização, em 2018, de uma proposta defendida pelo Partido Socialista em 2012 e requerida pelo governo PSD/CDS um ano depois. Depois de mais um ano de férrea austeridade vivida pelos portugueses.
Os sinais estão por aí, só não vê quem não quiser. Os recursos são finitos, insuficientes para tudo e para todos. A conjuntura transporta preocupantes sinais de perturbação e de mudança, com impactos no nosso território e na nossa relação com o mundo. E, no entanto, há quem persista numa das contradições do nosso tempo, a globalização que significa mais e se traduz em menos, com a agravante de a soporífera preguiça de pensar, questionar, exigir e agir contribuir amiúde para o falhanço das triagens adequadas.
Vai sendo tempo de parar com a conversa para entreter.
NOTAS FINAIS
O SONECA. Depois de quase três anos em alegre letargia, Mário Nogueira despertou do amorfismo para atazanar a vida dos estudantes em período de exames. Já não há pachorra para tanto umbigo desfasado da realidade. Três anos a dormir para acordar agora?
O ATCHIM. Um grupo de professores conseguiu as 20 mil assinaturas necessárias para obrigar o parlamento a discutir a contagem integral do tempo de serviço. Como o espirro não foi impulsionado pelos sindicatos da quinta, o PCP estará contra.
O PREGUIÇOSO. O que há em comum entre o PSD de Negrão/Rio que num dia defende a contagem integral do tempo da carreira dos professores e o do dia seguinte, que está contra porque o país não tem recursos? O oportunismo e a preguiça de construir uma alternativa política com exigência, memória e sentido de futuro.
O TÍMIDO. Só pode ser por timidez que os aclamados ideólogos da solução governativa não digam uma palavrinha sobre as dificuldades da saúde, da educação, da segurança e dos serviços públicos. É que é difícil continuar a justificar com o passado quando na pilha de papéis dos passivos acumulados há demasiados dossiês com as opções do presente.
Escreve à quinta-feira